Aulas remotas durante a pandemia prejudicam metas do Plano Nacional de Educação

Dados do Conselho Nacional da Juventude apontam para aumento do déficit educacional no Brasil

O retorno das atividades presenciais nas escolas está revelando os problemas causados pelo isolamento social de estudantes. Dentre as consequências mais graves está a diferença do nível de aprendizagem dentro da mesma sala de aula. Boa parte do problema se deve à falta de acesso a recursos tecnológicos para participar do ensino híbrido.

No ensino fundamental as maiores preocupações referem-se à alfabetização. Em levantamento realizado pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, o 5.º ano do ensino fundamental é onde se encontram os piores resultados de rendimento escolar. Comparando os anos de 2019 e 2021, o rendimento em Português foi de -29 pontos e Matemática -46 pontos.

De acordo com Andressa Pellanda, secretária geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) já estão comprometidas. “Tivemos uma audiência pública na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em que trouxemos o balanço das metas, estratégias do (PNE) e mostramos que menos de 15% dos dispositivos das metas do plano serão cumpridas no prazo, ou seja, até 2024. Significa que a espinha dorsal da educação brasileira, que seria essa que garantiria acesso, permanência, qualidade e inclusão na educação está colocada totalmente à margem, o que significa uma grave violação do direito à educação.”

Eni Leandrini, de 42 anos, mãe de Elias, de 7 anos, é empregada doméstica e ficou viúva durante a pandemia. Segundo ela, o ensino remoto transferiu uma responsabilidade profissional que muitos pais não possuíam e que dificultou o aprendizado das crianças. “A minha dificuldade foi essa, de não saber agir ou ensinar como uma profissional. Eu fiz do meu jeito, e a gente é mãe, meu filho dava trabalho. Ele ficava distraído, olhando pros lados. Ele não queria saber de ficar ali prestando atenção. Aquilo ali gerava um estresse, um certo nervoso na gente. Uma criança que não sabe ler, nem escrever e ter que a mãe ensinar e não saber também como fazer, é cansativo dos dois lados”, lembra.

A pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, realizada pelo Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), em parceria com a Fundação Roberto Marinho e Unesco, entrevistou 68 mil alunos do ensino médio. Os dados indicam que 30% dos jovens pensavam em deixar a escola, não apenas por falta de recursos tecnológicos, mas também pela dificuldade de aprender em casa, falta de socialização, bem como a falta do acompanhamento do professor.

Tiago Mafra, diretor de uma escola municipal em Minas Gerais, relata os desafios do ensino onde trabalha. “No cenário do que está sendo chamado de ensino híbrido, nós temos pelo menos três realidades: os alunos que acompanharam remotamente e voltaram para o ensino presencial, aqueles que permanecem atendendo pelo celular, pelas redes sociais as atividades da escola e aqueles que sequer tiveram conectividade pra seguir as atividades. Então a sua relação com os professores passou a ser algo muito escasso.”

Marcela Cristine Barbosa, estudante do 9.º ano, explica como se sentiu durante o período de isolamento: “Tive muitas dúvidas e não tinha como o professor me responder naquele momento. Não saber se estava certa a minha resposta e não ter o contato com o professor, pra mim, foi muito difícil”. No que diz respeito a aspectos emocionais, ela também sentiu impactos negativos. “Nesse período a gente tinha as restrições, não podia sair tanto de casa e eu senti muita falta, porque eu sou uma pessoa bem comunicativa e eu senti muita falta de socializar com as pessoas.”

A mãe da adolescente, Aline Barbosa, também diz ter ficado perdida quanto aos estudos da filha. “Pra mim, a maior dificuldade foi ter que se reinventar, porque, com o isolamento e as restrições, elas ministraram os sentimentos, as angústias e os receios de tudo que estava acontecendo. Pra mim não foi fácil porque eu também não tinha certeza de nada.”

O desafio agora é garantir que os jovens retomem os estudos com condições menos desfavoráveis. Segundo Marcus Barão, presidente do Conjuve, “a evasão escolar custa cerca de R$ 220 bilhões por ano para a economia do país e apresenta um impacto na redução da expectativa de vida do jovem que interrompe os estudos”.

Para tentar reverter a evasão, uma estratégia possível é a “busca ativa escolar”, desenvolvida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). A medida tenta compreender a realidade dos alunos que abandonaram a escola e garantir apoio social e acesso a plataformas digitais gratuitas.  

Orientação: Guilherme Carvalho (professor e jornalista).

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