A internet das coisas (IoT) é um dos pilares da Quarta Revolução Industrial. O conceito se refere a uma transformação tecnológica que possibilita a conexão e a interação entre os objetos do cotidiano. Em resumo, é a conectividade que estamos acostumados a encontrar nos celulares, tablets, relógios e nas Smart TVs sendo aplicada também em geladeiras, roupas, portas, carros, espelhos e qualquer outro dispositivo.
A principal finalidade da internet das coisas é facilitar a vida das pessoas, automatizando tarefas. Para se ter uma ideia, já existem cafeteiras inteligentes que preparam o café da manhã assim que o usuário acorda. Além disso, milhões de pessoas possuem assistentes virtuais como a Alexa e o Google Assistente, que iniciam a manhã trazendo as principais notícias do dia.
Em um futuro próximo, os recursos da IoT irão revolucionar a forma como interagimos com a casa e os objetos. As cidades também tendem a se beneficiar dessa tecnologia, se transformando nas chamadas smart cities (cidades inteligentes), conceito que designa cidades organizadas com soluções tecnológicas e sustentáveis.
A partir do momento em que tudo está conectado, mudamos a forma de nos informar e de nos comunicar, e isso tem impacto no consumo de notícias. Como será o jornalismo em multitelas? Como fazer jornalismo em uma sociedade hiperconectada?
O jornalista e pesquisador futurista Marcelo Barcelos se propõe a pensar num fazer jornalístico pautado na internet das coisas. No livro, Jornalismo em Todas as Coisas: o Futuro das Notícias com Inteligência Artificial (AI) e Internet das Coisas (IoT), o autor discute oportunidades e ameaças no futuro do jornalismo.
Fruto de sua tese de doutorado, ele usa a metodologia de prospectiva estratégica – uma linha de pesquisa sob um olhar dedutivo do futuro. Barcelos utilizou como objetos de pesquisa dois grandes jornais brasileiros: Zero Hora e O Globo. Além disso, fez entrevistas com renomados pesquisadores nacionais e internacionais da área da comunicação e cibercultura.
“Objetos que até então não comunicavam passam a comunicar. Tudo pode ser conectado, inclusive o próprio corpo. Diante de várias pistas, como os robôs domésticos que limpam a casa, os aplicativos de integração de eletrodomésticos e as assistentes virtuais me levam a crer que cada vez mais a nossa vida será como no desenho ‘Os Jetsons’”, brinca Barcelos.
Inteligência artificial aliada ao jornalismo
O uso de inteligência artificial na produção de notícias já é uma realidade. Barcelos cita exemplos de notícias de placar de esportes escritas por meio de algoritmos. A empresa Stats Monkey, voltada para o segmento de jornalismo com inteligência artificial, já em 1995 utilizava robôs para produzir notícias sobre partidas de beisebol. No Brasil, a primeira experiência de notícia automatizada foi na Olímpiada do Rio de Janeiro, em 2016, em que algoritmos atualizavam o resultado dos jogos no Twitter.
Outro exemplo ainda mais recente é o portal G1, que nas eleições de 2020 utilizou inteligência artificial para noticiar o resultado das votações em cada uma das cidades do Brasil. “Duas horas depois do pleito, o G1 já tinha mais de 5 mil textos produzidos pela inteligência artificial”, cometa o pesquisador.
No experimento de Barcelos, foi utilizada a tecnologia Google Duplex, um assistente virtual mais aperfeiçoado. Diferente da Alexia e Google Assistente, o Duplex é capaz de imitar a voz humana ao telefone com tamanha precisão que é quase impossível perceber que se está conversando com uma inteligência artificial. Criado em 2018, causou desconforto e fascínio no evento de lançamento apresentado por Sundar Pichai, CEO da big tech (confira aqui a apresentação e se surpreenda).
“Ao invés de pedir para um repórter ligar para a polícia para fazer a ronda da região, eu peço para a AI fazer isso. Então, a AI vai varrer a base de dados dos telefones da minha ronda pré-selecionada e vai ‘entrevistar’ essas delegacias para apontar aquilo que tem valor notícia. Deste modo, ela me entrega o material coletado na forma de texto ou voz sintética”, explica Barcelos sobre o experimento.
Tanto na redação do Zero Hora quanto no jornal O Globo foi observado que a inteligência artificial pode auxiliar o trabalho, desde que os jornalistas humanos coloquem limites para as máquinas. “Vamos ver se esse limite vai de fato acontecer”, comenta.
Como atuar nesse cenário?
Para a internet das coisas se concretizar, é necessária uma conexão ultrarrápida e segura como a internet 5G. Esse tipo de rede já é realidade na China e nos Estados Unidos. No Brasil, segundo o ministro das comunicações, Fábio Faria, o 5G deverá estar disponível em todas as capitais do país até julho de 2022.
Diante desse futuro inevitável, Barcelos menciona a famosa frase de Gaston Berger, futurista francês, dita em 1957: “O futuro não se prevê, prepara-se”. O jornalista ainda cita os pensamentos de Rogério Christofoletti, um dos pesquisadores entrevistados em seu livro: “Talvez a possibilidade de falarmos mais sobre notícias com máquinas possa ajudar as redações a corrigir informações. Já a narrativa dos jornalistas humanos, para sobreviver à era das máquinas, terá que focar em história de autoria, estilo e ritmo”.
Barcelos diz que “focar em autoria” é buscar a singularidade humana. “É a singularidade de você estar na rua e olhar para determinado acontecimento ou personagem e dizer: ‘poxa, isso daqui é pauta, isso aqui é fantástico, inédito e incrível’. É a capacidade de nos comover e nos indignar a partir de valores humanos e não a partir de uma matriz [máquina]”, ressalta.
Para concluir, o futurista salienta que os critérios de noticiabilidade não são estanques, ou seja, estão sempre se transformando por períodos históricos e se alteram de acordo com diferentes contextos. E esses critérios “vão se alterar agora a partir do dispositivo”.
“Determinadas histórias você consegue trabalhar no smartwatch; determinadas histórias você não vai conseguir manter num carro conectado, por exemplo. Acredito que a gente vai unir design de mídia, design de interface e vai tentar encaixar a noticiabilidade olhando para essas telas. As telas não são só telas, as telas são experiências”, finaliza.
Desafios e aplicações da IA no direito
A inteligência artificial, também chama de IA (ou AI, do nome em inglês artificial intelligence), é uma das áreas mais importantes da ciência da computação. Trata-se de um avanço tecnológico que permite que sistemas e máquinas simulem uma inteligência similar à humana. Ao imitar os recursos da mente humana, é capaz de solucionar problemas e tomar decisões, indo além da programação de comandos ordenados e repetitivos da computação tradicional.
Essa tecnologia é outro dos pilares da Quarta Revolução Industrial, era marcada pela convergência digital. Em resumo, é a capacidade das máquinas em aprender, perceber e tomar decisões de forma racional e autônoma diante de diversas situações. A principal função da IA é automatizar tarefas e facilitar o trabalho humano.
Por consequência, a inteligência artificial está revolucionando as relações sociais, trazendo inovações para pessoas, empresas e profissões. Diante desse cenário, cabe aos profissionais entender a gama de possibilidades dessa tecnologia e tirar o melhor proveito de acordo com a área de atuação. Neste sentido, como atuar na área de direito com ética e respeito?
Apesar de não parecer, a IA está cada vez mais presente em nosso cotidiano, dos níveis mais simples aos mais complexos. A ferramenta está nas redes sociais, no celular, nos algoritmos de busca da internet e de recomendação de conteúdos nos streamings, nos chatbots de sites e nas assistentes virtuais, como a Alexa, o Google Assistente e a Siri, da Apple.
Na área jurídica, os recursos de IA têm ganhado espaço. Segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 50% dos tribunais brasileiros já utilizam ferramentas de inteligência artificial ou estão em fase de implementação. A pesquisa levou em consideração o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tribunais de justiça e tribunais federais. Esses órgãos utilizam a tecnologia para dar celeridade e eficiência aos processos do Judiciário.
As ferramentas de IA auxiliam nas atividades que não precisam do olhar humano, como em casos de direito abstrato e situações simples, pontua Alan José Oliveira Teixeira, professor dos cursos de pós-graduação em Direito da Uninter e pesquisador de área de direito e novas tecnologias
“A ferramenta consegue trabalhar de uma forma muito mais efetiva nesses casos. O direito tributário, por exemplo, é muito abstrato, podemos dizer que é um tipo de direito mais impessoal. É muito mais difícil de aplicar [a IA] em uma vara de família ou no direito penal, pois não vai ser um exercício simples de subsunção. Por isso, temos parâmetros na legislação que exigem a sensibilidade humana”, explica.
CNJ regulamenta o uso da IA
Em 25 de agosto de 2020, entrou em vigor a resolução 332 do CNJ, que regulamenta o uso de soluções de inteligência artificial nos processos jurídicos. Ela dispõe sobre a ética, a transparência e a governança na produção e no uso no Poder Judiciário e dá outras providências.
De acordo com o documento, “a inteligência artificial no âmbito do Poder Judiciário tem como principais objetivos: a promoção do bem-estar dos jurisdicionados; a realização da prestação equitativa da jurisdição; a contribuição com a agilidade e coerência do processo de tomada de decisão; a garantia da segurança jurídica; e a igualdade de tratamento aos casos absolutamente iguais”.
Teixeira destaca o artigo 7, que trata das decisões judiciais. “As decisões judiciais apoiadas em ferramentas de inteligência artificial devem preservar a igualdade, a não discriminação, a pluralidade e a solidariedade, auxiliando no julgamento justo, com criação de condições que visem eliminar ou minimizar a opressão, a marginalização do ser humano e os erros de julgamento decorrentes de preconceitos”, diz o documento.
“A resolução traz toda a preocupação ética. É uma preocupação com a organização das equipes que irão atuar no desenvolvimento dos sistemas e dos modelos de IA, que devem garantir a pluralidade e a diversidade em sua composição”, diz Teixeira.
O professor enfatiza que a legislação procura evitar a criação de sistemas enviesados. “A ferramenta não é preconceituosa. Nós é que somos. Há casos de sistemas desenvolvidos nos EUA que lamentavelmente identificaram pessoas pretas como suspeitas, por exemplo. E isso decorre de um sistema que já possui vieses”, aponta.
Qual é o futuro do direito?
“O que se discute hoje sobre inteligência artificial e as novas tecnologias é a mitigação dos riscos, e não necessariamente a incorporação da ferramenta, porque não temos como impedir, é inevitável. O que vamos ter que trabalhar é no exercício do direito e no Poder Judiciário, e no nível de permissão desse sistema”, declara.
Teixeira diz que é preciso dar “uma maleabilidade no trato da IA e suas consequências”. É um caráter dúplice, em que a tecnologia transforma o trabalho jurídico, ao mesmo tempo que os profissionais da área devem regular o uso e suas implicações.
“Uma das conclusões a que cheguei na minha dissertação sobre o assunto foi a imprescindibilidade de uma regulamentação, ainda que não exaustiva. Uma regulamentação aberta, porque não temos como prever todas as situações de tecnologia. E isso é uma característica interessante da resolução 332, porque ela é aberta e bem setorizada”, finaliza.
Orientação: Mauri König (professor e jornalista).
Sobre o/a autor/a
Kethlyn Saibert
Estudante de Jornalismo no Centro Universitário Internacional Uninter. É estagiária na Central de Notícias Uninter (CNU).