A herança africana que sobrevive na cidade do Rio de Janeiro

Elementos presentes na Pequena África

Pequena África é uma região da capital do Rio de Janeiro que inclui os bairros da Zona Portuária – Saúde, Gamboa e Santo Cristo – e agrega, entre outros pontos, o Largo São Francisco da Prainha, a Pedra do Sal, o Morro da Conceição, o Cais do Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos. O título, dado pelo compositor Heitor dos Prazeres, remete à forte presença de africanos e seus descendentes em diáspora na região. A história encoberta especialmente a partir de 1902, com a reforma urbanística, ressurgiu mais de cem anos depois com o projeto de revitalização Porto Maravilha. Apresentamos em uma sequência de frames os elementos presentes no dia-a-dia dessa região que reverenciam e mantêm viva a cultura afro-brasileira.

Um circuito de resgate histórico e cultural

Luana Ferreira, historiadora e guia de turismo, adotou em 2018 a prática do circuito afro-referenciado, remetendo a uma dimensão da vida dos africanos e seus descendentes na Pequena África, contando a história por tantos anos distorcida. “Fazer esse circuito é trabalhar o resgate e fortalecimento da nossa identidade cultural. Mas apesar da revitalização, o que se viu nos anos subsequentes foi um novo abandono por parte do governo”, afirma Luana.

A força do aquilombamento urbano

Fernando Luiz conheceu a Pedra do Sal em 1997, onde foi morar um tempo depois, levando o hábito de reunir o povo preto. “A Casa do Nando” se tornou em 2014 um quilombo cultural. Resistente, após um incêndio em 2020, o quilombo mudou de endereço e mantém, além de um restaurante, atividades de cunho político, social e religioso. “É um trabalho reto e, por isso, muito criticado. Não estamos livres de ataques racistas. O protagonismo preto incomoda”, afirma Nando.

Memória de dor e sofrimento da imensa população de afrodescendentes

Em visita ao Cais do Valongo, o músico Renato Jamaica descreve sua emoção: “É tocante estar aqui e sentir a força dos meus ancestrais. Essa história não pode ser apagada”. Pelo cais, hoje Patrimônio Histórico da Humanidade, chegaram mais de um milhão de escravos entre os anos de 1774 e 1831, de acordo com o Instituto Pretos Novos (IPN), que mantém o acervo histórico e promove atividades educativas sobre a escravidão e suas sequelas.

Integrando teatro e vida através da arte pública

A Grande Cia Brasileira de Mystérios e Novidades, dirigida por Lígia Veiga, instalou-se no bairro Gamboa em 2007. “Tendo essa região como grande fonte de inspiração, criamos os espetáculos que impulsionam a arte pelas ruas”, relata a coordenadora Marília Felippe. Com o programa Gigantes Pela Própria Natureza – orquestra itinerante sobre pernas de pau – a Cia promove oficinas de corpo, voz e percussão. Entre os espetáculos, destacam-se: Procissão de Todos os Santos e A Saga de Jorge.

Disseminando a cultura da Umbanda como filosofia de vida

O Centro Cultural Única se instalou nas proximidades da Pedra do Sal em 2019, adendo ao centro de umbanda de mesmo nome. “Comercializamos peças produzidas pelos filhos da casa: artesanato, roupas, artes plásticas, bijuteria, entre outras. Ao longo do ano, acontecem diversos projetos sociais, oficinas, cursos e eventos”, conta Bel Netto, administradora do espaço. O centro mantém ações de doação para instituições e para a comunidade local.

Referências que inspiram negócios na região

O Largo São Francisco da Prainha, cercado por bares e restaurantes, é palco de celebrações da cultura ancestral e exibe a estátua de Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio, militante pela integração de atores e dançarinos negros no cenário cultural. Neste registro, Marcia Ferreira modela para a marca Tramas do Porto. “Através dos bordados, busco eternizar a cultura local”, relata Silvania da Fonseca, idealizadora da marca.

O ponto central de resistência, celebração e encontro

Famosa pelas rodas de samba das segundas-feiras, a Pedra do Sal foi território de uma grande comunidade negra. Formaram-se em seu entorno casas coletivas, movimento que se intensificou com a diáspora baiana, a partir de 1817. A região se tornou um ponto de encontro, celebração religiosa e de resistência, impulsionando o samba, precursor do carnaval carioca. Ali surgiram figuras que se tornaram destaques na música popular, como João da Baiana, Pixinguinha e Heitor dos Prazeres.

Representação histórica através da arte do mosaico

Em 2016, John Souza e Natalia Reyes, do ateliê Cosmonauta Mosaicos, e mais 130 voluntários, renovaram a escadaria de acesso ao Morro da Conceição. “Retratamos a história por meio de verdadeiros ícones de nossas raízes culturais”, explica o historiador Souza. Entre os destaques, está a célebre Tia Lúcia, trazida da Bahia para o Rio ainda na infância, e que se engajou em inúmeros projetos sociais e artísticos. “Intervenções como esta, permitem ressignificar pontos da cidade”, aponta Reyes.

Um recorte literário que dialoga com a cultura afro-brasileira

A livraria Casa da Árvore foi inaugurada em 2020, como adendo à Casa Omolokum, na Pedra do Sal. Administrada por Eduardo Ribeiro, Fábio Brito e Ivan Costa, a livraria trouxe um recorte literário que remete à cultura afro-brasileira, além de títulos que destacam pautas do debate social. “Para ocupar um espaço aqui da Casa, especializada na comida de dendê, pensamos nesse recorte conceitual, predominante na região. O público da Casa busca essa identidade”, explica Ribeiro.

Um bom samba para acompanhamento de pratos típicos

Georgia Gomes, é sambista desde a infância e na gastronomia encontrou outra grande paixão: “Através de um projeto social, me profissionalizei. Comecei botando banca em eventos e meu Bobó de Camarão ficou famoso.” Em 2020, Georgia fundou o GG Gourmet, um antiquário e restaurante especializado nas referências africanas, localizado no Morro da Conceição. No espaço, acontecem eventos culturais, como a Roda de Samba e de Conversa, em que músicos cantam e contam a história por trás das canções.

Orientação: Marcia Boroski (professora).

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