Movimentos de renovação seriam “partidos clandestinos”?

O sistema partidário brasileiro possui pouco enraizamento em nossa sociedade. Um aspecto negativo desta situação é o fato destes partidos serem pouco responsivos às ideologias carregados em seus nomes e estatutos

Na coluna anterior falamos sobre a renovação política no estado do Paraná nas eleições de 2014 e 2018. Hoje nos aprofundaremos em um aspecto por trás dessas recentes ondas de Novos políticos, os “Movimentos de Renovação Política” (MRP) como RenovaBR, Livres, Acredito e vários outros. De movimentos assim surgiram os deputados federais Tabata Amaral (PSB) e Felipe Rigoni (União Brasil). Mas o que exatamente são esses movimentos? Como surgiram? Como agem? Para nos ajudar a responder, trouxemos o trabalho de conclusão de curso desenvolvido por Pedro Notti, cientista social formado pela UFPR, coordenador de organização da Rede no Paraná e pesquisador do Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários (LAPeS).

O sistema partidário brasileiro possui pouco enraizamento em nossa sociedade. Um aspecto negativo desta situação é o fato destes partidos serem pouco responsivos às ideologias carregados em seus nomes e estatutos. Como resultado, faz o nosso sistema político mais personalista, prejudicando a governabilidade, uma vez que os governantes precisam negociar segundo as demandas pessoais dos parlamentares. Diante deste cenário, surgem organizações extraparlamentares a fim de qualificar a representação política com renovação.

Junto a esta condição de nosso sistema, persiste a crise política desde as manifestações de 2013. Um dos grandes herdeiros destas manifestações foi o Movimento Brasil Livre (MBL) que muitos dizem ser o primeiro movimento de renovação. Entretanto, o MBL não pode ser considerado um MRP, pois o Movimento não teve como propósito inicial fomentar e lançar candidaturas. Acrescenta-se, de acordo com a definição de Codeço (2019), que os MRPs não são tidos como movimentos sociais por não serem oriundos de mobilizações sociais, ao contrário, são iniciativas de poucos indivíduos que buscam se organizar antes de partir para a mobilização. Inclusive, alguns desses movimentos buscam investir em bolsas mensais, variando de 5 a 12 mil reais, para que promissores candidatos possam se dedicar exclusivamente às suas formações.

Mas há diferenças entre os MRPs. Notti destaca duas formas de classificá-los: os movimentos “escolas” e os movimentos “ideológicos”. Entre aqueles que são escolas, destaca-se o RenovaBR e a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Esses movimentos possuem membros em diversos partidos no espectro político, assim como o Agora! e o Acredito, que adotam táticas centradas na mobilização e na formação conjunta de agendas, mas que tem origens similares às dos movimentos escola. Entre aqueles movimentos ideológicos, existe o Livres, cujo grupo se autodenomina como um “movimento político suprapartidário em defesa do liberalismo” e se encontra mais concentrado em dois partidos, Novo e Cidadania23. No outro lado do espectro está o Ocupa Política, praticamente integrado ao PSol, que diz “potencializar candidaturas ativistas e articular uma política suprapartidária de renovação progressista nacional”.

No Paraná há presença de deputados estaduais filiados ao RAPS como Goura (PDT) e Paulo Litro (PSD). Da mesma forma, em Curitiba, este movimento tem as vereadoras do Novo Amália Tortato e Indiara Barbosa, além do ex-vereador Thiago Ferro. Já o RenovaBR, possui alguns representantes na Câmara de Curitiba, como: Indiara e Amália (Novo), Nori Seto (PP), Leonidas Dias (Solidariedade) e Marcelo Fachinello (PSC).

Indiara Barbosa. Foto: CMC.

Mas, afinal, nessa integração entre os membros dos MRP e os partidos, não há conflitos de interesse? Notoriamente tivemos dois casos de deputados federais que agiram em desacordo com as orientações dos partidos, e precisaram entrar com processo no TSE para garantirem a troca de partido fora da janela eleitoral sem perder os mandatos. Porém, foram só dois casos entre 28 deputados federais integrantes eleitos em 2018.

Para se aprofundar na questão de como se comportam os parlamentares membros dos MRP, o trabalho de Pedro Notti teve como base as votações nominais realizadas no plenário no biênio 2019-2020, tomando o tradicional cuidado metodológico de excluir votações com mais de 90% de aprovação e considera a abstenção como indisciplina – exceto as faltas. Utilizou-se o índice de Rice para medir a disciplina partidária dos deputados em relação à orientação partidária e o índice de lealdade para medir a coesão dos partidos e dos movimentos nas votações com base no voto dos colegas. Movimentos mais coesos que disciplinados estariam confirmando a hipótese de subversão partidária.

Os resultados apontaram que justamente os movimentos ideológicos, o Ocupa Política e o Livres, foram os mais disciplinados em relação aos partidos. Ainda assim, todos os demais MRPs obtiveram um índice considerável, acima de 89%. Exceto o Acredito (formado apenas por Tabata Amaral e Rigoni), ao obter somente 58,8%. Mas, ressalta-se que o Acredito celebrou uma carta-compromisso com os partidos de seus integrantes por sua autonomia.

Ao mensurar a coesão destes movimentos como se fossem bancadas, mostra-se que o Acredito possui uma coesão alta (89,7%), sendo mais coeso entre si do que disciplinado em relação aos seus partidos. Já o Ocupa Política foi de 99,2%, as deputadas são coesas e disciplinadas em relação ao  PSol. Mas isto não reflete o outro movimento ideologizado, o Livres registrou 73,4% de coesão e, um dos possíveis motivos, é por este movimento estar presente em quatro partidos. O Agora! apresentou coesão de 64,5%, mesmo com poucos parlamentares. O RenovaBR obteve 58,7% e o RAPS 43%. Isso demonstra que os movimentos ideológicos são mais coesos, enquanto os escolas são mais dispersos. Também é de se destacar que, mesmo com origens similares, os movimentos não demonstram atuar em conjunto, a coesão média de toda a “bancada dos MRP” é menor que a da Câmara como um todo.

Em síntese, afirmar a existência de bancada dos MRPs ou até de que estes movimentos seriam partidos clandestinos, corroendo o sistema representativo brasileiro, não se sustenta. Inclusive, em partidos que se caracterizam como bastante coesos e disciplinados (Novo e  PSol), os deputados destes movimentos se mostraram bem alinhados às diretrizes destas agremiações. Como demonstrado, o único movimento que se destacou pela rebeldia foi o Acredito. Resta agora avançar na agenda de pesquisa para saber: Em que votam quando desobedecem? Por que os partidos aceitam esses deputados?

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