Como a pandemia esteve presente nas postagens de Bolsonaro no Instagram?

Depois de 2 anos e meio de pandemia, já nos acostumamos (infelizmente!) com as declarações lamentáveis do presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) perante as câmeras, com algumas delas sendo transmitidas e divulgadas pela imprensa tradicional. Desde falas minimizando a crise sanitária, como “Não estou acreditando nesses números” (27 de março de 2020), ou até mesmo debochando de pacientes com a doença, como quando imitou uma pessoa sem ar. Normalmente, essas declarações ocorreram quando Bolsonaro conversava com seus apoiadores do “cercadinho”, mas também a vimos serem proferidas em transmissões oficiais obrigatórias na televisão – como quando Bolsonaro chamou a Covid-19 de “gripezinha” – ou em suas lives semanais em seu canal do YouTube. Sabemos que o menosprezo de Bolsonaro (e dos bolsonaristas) pela pandemia não se limitou a apenas esses discursos do próprio presidente, um exemplo disso é a utilização do WhatsApp, por apoiadores de Bolsonaro, para a difusão de desinformação e fortalecimento de narrativas pró-Bolsonaro. Neste sentido – e de forma bem resumida –, vimos nas plataformas digitais (Twitter, WhatsApp, Instagram, Facebook, etc) uma disputa entre um grupo pró-Bolsonaro, que buscava culpar terceiros pelos desastres econômico e sanitário, além de desinformar sobre a dimensão da pandemia e prometer remédios milagrosos, e um grupo que buscava combater a desinformação e divulgar dados reais sobre a proporção que a pandemia estava tomando no país. Para tornar mais lúdico, do primeiro lado temos pessoas como Bia Kicis, Carla Zambelli e os filhos de Bolsonaro, e do outro pessoas como Átila Iamarino, Natalia Pasternak, Felipe Neto, Canal Normose. Assim, acompanhamos, principalmente, essas disputas entre grupos e as declarações polêmicas de Bolsonaro. Diante disso, podemos questionar: enquanto Bolsonaro realizava suas declarações ao cercadinho e movimentava seus apoiadores a defendê-lo com narrativas falsas, como ele se comportava em suas redes sociais? Ou melhor, qual foi o comportamento de Bolsonaro diante do primeiro ano de pandemia em uma de suas principais redes sociais (com mais de 20 milhões de seguidores), o Instagram?

Fonte: Instagram de Bolsonaro (2020).

Para responder tal questionamento, vamos nos apropriar de alguns resultados encontrados na dissertação desenvolvida por mim “A construção da imagem pública nas redes sociais: um estudo do caso dos presidentes da América Latina no uso do Instagram”. É importante dizer que o objetivo da dissertação foi analisar o Instagram de 15 presidentes latinoamericanos durante o ano de 2020, buscando responder como ocorreu a construção de imagem de cada um dos atores políticos na plataforma. Contudo, por 2020 ser o ano em que a pandemia chegou ao continente americano, 3 das 30 variáveis de análise tiveram como foco este contexto pandêmico. É basicamente sobre essas 3 variáveis que este texto se apoia. Ainda, antes de entrarmos na apresentação dos resultados, é de bom tom apontar que foram analisadas 520 imagens do perfil do Instagram de Bolsonaro, isto é, todas as postagens (com exceção de vídeos) publicadas entre março e novembro de 2020.

Desta forma, o primeiro resultado a se apresentar é sobre a simples menção à pandemia. Esta variável responde se a postagem possuía qualquer menção à pandemia, considerando tanto a imagem quanto a legenda. De forma breve, se a imagem não citasse a pandemia, mas a legenda mencionasse de alguma forma, considerou-se que “sim, houve a menção à pandemia”. Conforme podemos observar no gráfico abaixo, mesmo considerando a mínima menção, houve uma predominância de postagens sem qualquer alusão à pandemia. Contudo, não podemos afirmar que esse resultado demonstra um descaso de Bolsonaro quanto a pandemia, visto que na própria dissertação é possível notar que a maioria dos presidentes não citou a pandemia de forma direta (resultado demonstrado nas páginas 79-80). É nas próximas duas variáveis que Bolsonaro se destaca de forma negativa.

Gráfico 1 – Bolsonaro mencionou a pandemia na postagem?

Analisando o uso de máscara por Bolsonaro, é possível notar que foi um evento raro em suas postagens. Apenas em 3,9% das imagens em que o presidente apareceu, ele estava utilizando a máscara. Isso difere, e muito, dos outros 14 presidentes latinoamericanos exibidos na dissertação (páginas 80 e 81), que tiveram uma frequência relativamente alta no uso da máscara. Ainda, esse resultado pode ser um indicativo de que a estratégia de Bolsonaro em seu Instagram foi a de apoiar suas declarações, isto é, tentar mostrar que a vida tinha que continuar normalmente e que a COVID-19 não deveria assustar ninguém (ou que era apenas uma “gripezinha”).

Gráfico 2 – Uso de máscara por Bolsonaro

Também, a pesquisa mostra um Bolsonaro sem preocupação em usar máscara mesmo estando na presença de outras pessoas. Em números, 96,8% das postagens em que o presidente estava com outra pessoa, ele estava sem máscara. Isso inclui não apenas pessoas do governo, mas também pessoas comuns. Indo além, em algumas dessas postagens, Bolsonaro aparece interagindo com cidadãos. É importante lembrar que o uso de máscara era obrigatório em diversas cidades e regiões do país, fazendo de Bolsonaro não apenas uma pessoa que menosprezou a pandemia e colocou em risco a saúde das pessoas, mas também como alguém que ignorou leis locais para combater a crise sanitária.

Gráfico 3 – Presença de outras pessoas e o uso de máscara

Fonte: Instagram de Bolsonaro (2020).

Para finalizar, vamos voltar ao questionamento realizado no começo deste texto “qual foi o comportamento de Bolsonaro diante do primeiro ano de pandemia em uma de suas principais redes sociais (com mais de 20 milhões de seguidores), o Instagram?”. É possível dizer que a estratégia da equipe de Bolsonaro foi a de reforçar as declarações do presidente, colocando a pandemia em segundo plano. Em outras palavras, a intenção foi a de amenizar a gravidade da crise sanitária e apresentar uma vida próxima do “normal”, seja através de imagens em que Bolsonaro aparece junto de cidadãos ou da ausência de menção à pandemia. Por fim, vale dizer que durante a pesquisa de dissertação, postagens em que Bolsonaro divulgava a cloroquina foram notadas. Entretanto, como não era o objetivo da pesquisa, esse é um dado que acabou ficando apenas para o relato. Pesquisas posteriores podem se atentar a esse fator – como já vem sendo feito -, que seria a divulgação de desinformação pelo perfil pessoal do presidente em diversas redes sociais online.

Fonte: Instagram de Bolsonaro (2020).

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