Onde a música me leva

É como se a música fosse uma máquina do tempo que me leva para onde ela foi concebida, e me faz entender porque alguém imaginou o som daquele jeito

Essa semana me vi num impasse. Estava estudando repertório alemão do século XIX, mais especificamente o último movimento da Serenata 1, de Johannes Brahms, quando percebi que tinha dificuldade em imaginar o que era necessário para fazer aquela música. 

Mesmo sem palavras, músicas são discursivas, comunicam sensações, cenários, paisagens, momentos. E aquela música parecia comunicar algo muito distante de mim, e de qualquer situação que eu já tenha vivido, imaginado, lido ou assistido.

Tentei mesmo assim imaginar aquela proposta. Ouvi a música algumas vezes, e aceitei a sugestão do meu professor, que interpreta esse movimento musical como se fosse uma cavalgada. Mas nunca andei a cavalo, não assisto filmes de cavaleiros, não conheço essa literatura, não vivo em um tempo e espaço onde isso é comum. Então, me restou atuar.

É curioso imaginar que, para fazer a arte que me proponho, eu preciso me colocar em lugares completamente diferentes do meu. É como se a música fosse uma máquina do tempo que me leva para onde ela foi concebida, e me faz entender porque alguém imaginou o som daquele jeito.

Eu preciso inventar a mim mesma em um cenário com aquele som. Me  imaginar num filme que já tem uma trilha, mas ainda não tem imagem, conceber um corpo-personagem que dialogue com a música. Então, como eu seria em uma cavalgada? Não consegui me imaginar em um vestido de época, montada de lado e andando devagar, como usualmente as mulheres cavalgavam naquele tempo, o som não tinha essa imagem, eu não tenho essa imagem. A imagem proposta ali era tão difícil de acessar para mim, que eu levei algum tempo, até que lembrei de Joana D’Arc.

Em suas devidas proporções, eu também sou uma mulher em um lugar socialmente masculino, mas que faz isso porque não poderia não fazer. Tem um chamado dentro de mim que me coloca ali. Para mim tem vontade, Joana D’Arc chamou de vocação. Então imaginei toda aquela rebeldia e satisfação em fazer o que se quer, mesmo que custe muita coisa, mesmo que seja difícil se colocar em um lugar tão distante de si, ou do que esperam de mim. 

Pensar em Joana D’Arc me aproximou da música. Perceber uma mulher que, há tanto tempo, era tão combativa, me fez perceber que imaginar pode ser fácil, artístico e encorajador. Hoje estarei à frente da orquestra e conduzirei, lembrando que os lugares em que podemos estar só podem ser determinados por nós mesmas.

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