O mito do talento

A música é um momento, é preciso vivê-lo para que ele aconteça através de você

Iniciei meus estudos musicais aos 6 anos. Comecei a aprender violão aos 9. Aos 17, eu busquei pela profissionalização acadêmica. Aos 21, estava formada em composição e regência. Com 25, entrei no mestrado. Há 20 anos eu estudo música. Mas sempre rola o papo do talento.

Uma vez lembro de ter ouvido de alguém: “o duro de fazer música é que até pra fazer mal você precisa estudar”. Tá ai uma verdade. Não tem outro jeito de aprender música que não seja fazendo, praticando, tocando, cantando e ouvindo. A música é um momento, é preciso vivê-lo para que ele aconteça através de você.

Eu sempre fui muito exposta à música. Meu pai cantava para eu dormir desde que eu nasci, a mesma música, diariamente, por anos. A minha mãe contava que minha brincadeira favorita era a de roda, porque tinha música. Quando na adolescência houve um conflito de horários (a aula de violão seria no mesmo horário da aula de teatro), escolhi tocar. Acho que sempre tive gosto pela música, mas talento é outra história.

Na minha família não tem nenhum músico. Meus pais sempre estimularam em mim habilidades artísticas, mas eles em si cantavam no chuveiro e só. Quando eu pedi para fazer aulas de música, eles não se surpreenderam, proporcionaram o básico. Me matricularam em aulas gratuitas, oferecidas pela prefeitura, e compraram o violão mais barato da loja. Mas ninguém precisa de mais do que o mínimo.

Como eu gostava de passar meu tempo ali, tocando e cantando. Eu nem sabia fazer aquilo direito, mas infinitas foram as tardes em que eu fiquei na frente do computador procurando cifras e partituras de músicas que eu queria tocar. Nesses 20 anos estudando música, por uns 8 eu dediquei cerca de 5 horas por dia para musicar. E acredite, em comparação a vários músicos, me dediquei pouco.

Com 15 anos, eu pedi um piano e, para minha surpresa, ganhei. A essa altura meus pais já estavam convencidos de que eu fazia música bem, o que chega para valer mais investimentos. Eu passava muito tempo fazendo isso, não era nada especial o que tocava, mas eu tocava, e isso, para quem não toca, parece muito.

E é nesse momento que começa o papo do talento. Quando a gente já sabe tocar um pouco, mas não muito. E esse pouco que sabemos é expressivo em nós, geralmente porque gostamos de fazer, sentimos prazer. Isso transparece e entendem por talento.

Acho que algumas pessoas têm mais facilidade, por tudo que está ao redor delas. Mas, para mim, o talento, tem a ver com a soma de facilidade, vontade, possibilidade e dedicação. E não com uma genialidade especifica.

Gênios, prodígios e fenômenos existem, é claro. Sempre podemos citar Mozart, Marilia Mendonça e Billie Eilish. Mas tem uma galera, muito talentosa, fazendo música todos os dias. Gente que, assim como eu, estuda música há um tempão e segue se dedicando. Não por talento ou vocação, necessariamente, mas porque vivemos isso há muito tempo. Eu tenho 26 anos e passei 20 anos estudando música. E, provavelmente, passarei todos os meus próximos anos me dedicando a ela. 

Sou devota da música por perceber o bem que ela faz. Sigo fazendo por isso. Posso até ser talentosa, é verdade, mas muito esforço é o que constrói talento. Eu quis construir isso por perceber que música era o melhor que eu poderia oferecer às pessoas. Então, toda vez que pensar no talento de um músico, de um artista, lembre-se que ele construiu isso.


Férias

Está é a última coluna deste ano. Voltarei dia 8 de janeiro.

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