Ao longo dos últimos anos, as milhas aéreas se popularizaram. Inicialmente, elas surgiram como uma bonificação aos passageiros que realizavam viagens frequentes. Como uma forma de agradecimento, e também de incentivo para realização de novas viagens.
E recentemente, a comercialização das milhas aéreas se popularizou entre os consumidores, e também gerou uma movimentação de diversos setores, sendo que não são mais só as companhias aéreas que estão envolvidas no resgate e utilização pelos consumidores.
Esse setor teve um crescimento expressivo, mesmo durante a pandemia, a ABEMF (Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização) movimentou R$ 5,3 bilhões no ano de 2020!
As milhas deixaram de ser utilizadas somente para descontos em passagens aéreas, e passaram a ter valor, e que geram, inclusive, renda extra para alguns consumidores. E a comercialização dessas milhas tem sido, inclusive, objeto de cursos oferecidos na internet.
Com essa popularização, surgiram questionamentos dos consumidores sobre a forma de utilização e comercialização e a sua liberdade de escolha em relação à utilização delas.
Existe uma série de regras relativas às milhas aéreas e sua venda pelos consumidores, que se encontram no programa de fidelidade das companhias, e trazem restrições e frustrações aos consumidores.
E essas restrições dos contratos de fidelidade vão desde a impossibilidade de venda das milhas (com cláusula de inalienabilidade, por exemplo), até punições como o cancelamento da passagem aérea adquirida por um terceiro, e até mesmo o cancelamento das contas dos consumidores usuários. Tais práticas surgem com a intenção de coibir o comportamento dos consumidores de comercialização das milhas.
Essas cláusulas utilizadas pelos programas de fidelidade têm gerado demandas judiciais que envolvem, principalmente, a interpretação de que são cláusulas abusivas, e que ferem os direitos do consumidor, que buscam amparo nos tribunais.
Bom, com essas situações, surgem demandas judiciais e o questionamento central:
E aí, o consumidor tem direito a vender suas milhas?
A resposta envolve a compreensão de que as milhas são produtos adquiridos pelos consumidores, e não bonificações oferecidas pelas companhias aéreas.
Pois, ao adquirir o produto principal – como passagens aéreas – os consumidores também adquirem milhas, pois o valor delas está vinculado ao valor das passagens.
E assim, as cláusulas que limitam a utilização dos produtos adquiridos, impõe condições extremamente restritivas e impedem a comercialização, podem ser consideradas abusivas.
Somado a isso, existem também as vantagens oferecidas pelos parceiros das companhias aéreas, como os cartões de crédito que cobram taxas para utilização dos programas de fidelidade, caracterizando, assim, a aquisição das milhas pelos consumidores.
Inclusive, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná já proferiu decisão permitindo a penhora de milhas em processos de execução, por interpretar que se trata de um ativo, com a possibilidade de conversão do valor das milhas em moeda corrente. Reforçando assim a interpretação de que é um produto/bem adquirido pelo consumidor, com valor e passível de penhora.
Ainda não há um posicionamento consolidado sobre o tema, mas os tribunais têm reconhecido a aquisição das milhas pelos consumidores, o que permite aos consumidores a comercialização dessas milhas compradas pelo consumidor, e reconhece que as cláusulas restritivas a esse direito do consumidor são abusivas.
Sobre o/a autor/a
Leticia Beltrami
Advogada, formada pela Unicuritiba em 2015. Sócia na Beltrami & Oliveira Sociedade de advogadas. Atuante na área de direito contratual, com foco em relações de consumo.