FGTS: Direito do trabalhador, largamente utilizado como instrumento político

O governo federal anunciou que pretende liberar o FGTS para os trabalhadores da região de Brumadinho atingidos pelo desastre, o que parece a princípio uma boa notícia. Na realidade, trata-se de fazer cortesia com o chapéu alheio; no caso, com o chapéu do próprio trabalhador.

A CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, da época de Getulio Vargas, tinha como um de seus pilares a Estabilidade no Emprego. Era prevista uma indenização de um mês de salário por ano trabalhado, em caso de demissão imotivada, e também a estabilidade no emprego ao trabalhador do setor privado que completasse dez anos na mesma empresa.

Na época, o que se discutia nas Reclamatórias Trabalhistas era a chamada “despedida obstativa”, ou seja, o empregado ser mandado embora quando completava nove anos de serviço, para evitar que adquirisse a estabilidade. Estimava-se que apenas cerca de 20% dos empregados adquiriam a estabilidade.

Até hoje se você abrir a CLT, vai ler com todas as letras o artigo 492, com a seguinte redação:

Art. 492 – O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.

Este artigo de lei está em vigência até hoje, o que causa estranheza ao senso comum, que diz que o FGTS substituiu a estabilidade no emprego.

Isso ocorre porque a lei que criou o FGTS, em 1966 (vigência a partir de janeiro de 1967), não alterou o artigo de lei, nem o revogou; o que fez foi criar uma alternativa, dizendo que o empregado poderia optar entre a estabilidade ou o FGTS.

O que ocorreu, na prática, foi que a opção pelo FGTS passou a ser a regra geral, pois de outra forma a empresas não contratariam, e isso permanece até hoje.

Ou seja, o artigo 492 da CLT passou a ser considerado como “letra morta”, uma lei que existe mas, na prática, acaba não sendo aplicada.

Na época de sua criação, o presidente era Marechal Castello Branco, e o Ministro do Planejamento era Roberto Campos. Acabara de ocorrer o golpe militar de 1964, que duraria 21 anos. A lei do FGTS foi promulgada mesmo sem a aprovação do Congresso, por conta do AI-2 (Ato Institucional n. 2), que previa a promulgação automática de projetos da Presidência que não fossem votados em 30 dias.

Dois anos depois, 70% dos empregados já haviam aderido, mas não tanto por vontade própria, senão pelo simples fato de que, ou era assim, ou nada de emprego.

Agora, com mais de 50 aninhos bem vividos, o FGTS permanece vigoroso, tendo sobrevivido largamente a seus criadores, mesmo promulgado desta forma inconstitucional, embora depois revisto (a atual lei do FGTS é de 1990, na época de outra turma da pesada: Fernando Collor, Zélia M. Cardoso de Mello, Antonio Magri, Margarida Procópio).

Mas na realidade o direito à estabilidade no emprego foi retirado dos trabalhadores sem um processo democrático, e substituído por um fundo do qual o empregado não pode dispor livremente, mas apenas em casos que a lei autoriza – e, ainda assim, continua se constituindo em um dos direitos básicos dos empregados.

O que se observa, por fim, é que o FGTS, em verdade, já pertence ao empregado. Simplesmente permitir que o empregado use o que já é seu para se recompor de um prejuízo, de uma grande dificuldade, que lhe foi causada por esta catástrofe, mais parece um castigo do que uma benesse.

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