Elevador de Serviço #3 – O Perigo e a Periculosidade

Vicente Moraes explica por que nem todo trabalhador que enfrenta o perigo tem adicional de periculosidade. E mostra que isso é um exemplo de como as leis não criam direitos, apenas os reconhecem.

No elevador, escuto dizerem: “Esse pessoal de Brumadinho tinha que receber adicional de periculosidade”. É um equívoco comum as pessoas acharem que qualquer trabalho perigoso deve ser remunerado com um adicional de periculosidade. Peço desculpas aos alpinistas, trapezistas, mergulhadores, passeadores de cães, carteiros e afins.

O adicional de periculosidade é um “plus” salarial, que atualmente é devido apenas aos empregados que exercem atividades com inflamáveis, explosivos ou energia elétrica, roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

Mas a evolução da norma é curiosa em relação ao artigo 193 da CLT, cuja redação original dizia:  “Haverá nas máquinas dispositivos de partida que lhe permitam o início de movimentos sem perigo para os trabalhadores”.

Veja que a preocupação na época era exigir um mecanismo mínimo de segurança – sinal de que acidentes com a partida das máquinas deviam ser algo frequente lá em 1943.

Em 1977 o presidente Ernesto Geisel alterou o referido artigo, que passou a considerar como “atividades ou operações perigosas, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado”, prevendo a estes trabalhadores um “adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa”.

Note-se que a lei ainda é tímida, quase pedindo desculpas por existir, e faz questão de frisar que só mesmo em condições de risco acentuado é que seria considerada perigosa a atividade. E também, o adicional era calculado só sobre o salário mesmo, taokei?

Mas com o tempo o pessoal se lembrou que tinha outra coisa que causava um risco danado, que era eletricidade, e os frequentes acidentes deixavam isso claro. Em 1985 o presidente José Sarney assinou lei tornando obrigatório o pagamento do adicional também aos trabalhadores do setor elétrico, com toda uma regulamentação própria, onde se discutiu, através dos anos, se todos os empregados deveriam receber ou se só os eletricistas; se só os empregados do SEP (Sistema Elétrico de Potência) ou também os do SEC (Sistema Elétrico de Consumo); se só os que trabalhavam habitualmente em área de risco, ou também aqueles que permanecem pouco tempo na área de risco etc.

Como se vê, a lei também foi tímida e lenta, até abranger todos os empregados do setor elétrico.

E finalmente em 2012, a presidenta Dilma Rousseff alterou o artigo 193 da CLT para sua atual redação, incluindo ao rol das atividades perigosas também aquelas que envolvem “roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial”.

Mas é bom lembrar que quando Dilma assinou essa lei, incluindo os seguranças privados no adicional de periculosidade, nada mais fez do que confirmar o que já vinha ocorrendo há muito tempo, pois através de negociações coletivas de trabalho entre os sindicatos, já havia o pagamento do mesmo “plus” salarial, geralmente denominado como “adicional de risco”, a esses trabalhadores. Tanto é que a lei não causou maiores polêmicas.

O mesmo ocorreu com Sarney; tratava-se de regulamentar uma situação que já existia, e que já vinha sendo reconhecida por entidades sindicais dos eletricitários.

E na época de Geisel, eu realmente não lembro porque era muito piá, mas tenho pra mim que deve ter sido algo parecido.

Da lição de hoje extraímos que, na verdade, uma lei não cria um direito; não é exatamente isso.

Na verdade, uma lei reconhece um direito, uma situação que veio se formando com o tempo, atendendo aos anseios da sociedade, e solidificando-se a ponto de exigir a atenção e a atuação do Estado, que então faz a lei regulamentando aquele direito.

Aliás, quando tentam criar um direito através de uma lei, isto costuma não dar certo, ou seja, aqueles casos em que a lei “não pega”.

E por incrível que pareça, o caminho inverso também é verdadeiro, ou seja, não basta revogar uma lei para que aquele direito pare de existir.

A tentativa de fazer desaparecer direitos simplesmente revogando leis, é inócua.

É simplesmente impossível alterar os anseios de toda a sociedade apenas com a solenidade de uma lei, ou com a ausência dela.

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