Venda de remédios para Covid expõe crise de autoridade da Anvisa

Mesmo com a comercialização sem receita médica proibida, as vendas de ivermectina subiram 857% no país

Contrariando expectativas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que “regula” o mercado de medicamentos no Brasil, tem sido um ponto fora da curva no governo de Jair Bolsonaro. A autarquia ligada ao Ministério da Saúde vem reprovando remédios para prevenção e tratamento a Covid-19, baseando-se exclusivamente em aspectos científicos. Quarta (30) a agência suspendeu as análises da Covaxin, vacina indiana que se tornou pivô das denúncias de corrupção contra o governo federal na CPI da Covid. O problema estaria na falta de documentos e dados. De todo modo, a suspensão indica uma autonomia do órgão em relação aos interesses do governo que vinha acelerando o processo de compra, agora sob suspeita de superfaturamento.

Não é o primeiro episódio relacionado à pandemia em que a posição da Anvisa tem sido um entrave para os governistas. Durante seu depoimento na CPI da Covid, o diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres, se mostrou contrário às falas do presidente da República a respeito do uso de medicamentos contra a Covid. O fato de ter sido indicado pelo próprio amigo Bolsonaro, tem, ao menos por enquanto, evitado as críticas dos apoiadores mais ferrenhos do governo à Anvisa. Sabe-se lá até quando.

Reafirmando posições como da Organização Mundial da Saúde (OMS), da União Europeia e Associação Médica Brasileira (AMB), entre outras, a agência tem ganhado credibilidade graças a assertividade da diretoria, contrastando com a trajetória do Ministério da Saúde.

Dos 93 ensaios clínicos com medicamentos para prevenção ou tratamento de Covid-19 autorizados pela Anvisa, apenas 3 foram aprovados até agora, além das vacinas em uso. Significa que a lista de medicamentos cuja eficácia está comprovada no tratamento da doença no Brasil é bastante restrita. É o caso do uso combinado de banlanivimabe e etesevimabe, do antiviral remdesivir e do regn-cov2, coquetel que contém a combinação de casirivimabe e imdevimabe. Estes remédios não são vendidos em farmácia e são utilizados apenas em hospitais para tratamento de pacientes em situações específicas.

Não estão inclusos, portanto, medicamentos como Cloroquina, Hidroxicloquina, Deximetasona, Nitazoxanida, Azitromicina, Ivermectina, entre outros. A Anvisa verificou que até o momento as análises não apontam eficácia no tratamento ou prevenção, o que não significa que estes e outros remédios estejam descartados, como é caso dos sprays nasais e orais que estão em estudo.

O cenário político atual tem tornado árduo o caminho para que se reconheça a autoridade da agência. As declarações públicas do presidente Bolsonaro e seus apoiadores sobre os remédios contra Covid reforçam uma grave crise de autoridade em assuntos sanitários e, por consequência, da centralidade da ciência no país.

Muitos cidadãos estão tomando remédios por conta própria. Segundo o Conselho Federal de Farmácia, as vendas de ivermectina subiram 857% e de hidroxicloroquina 126%, entre maio de 2020 e maio de 2021. Isso apesar da Anvisa ter proibido a venda destes medicamentos sem receita médica em julho de 2020.

De acordo com pesquisa do Datafolha, 1 a cada 4 brasileiros fez uso de algum medicamento para tratamento precoce ou para prevenção de Covid-19. Os remédios podem não ser eficazes contra a doença, mas certamente os negócios vão muito bem no setor. As farmacêuticas agradecem.

NOTAS

Covid e perfil genético

Uma pesquisa paranaense publicada na revista suíça Frontiers ganhou destaque esta semana por apresentar estudos que indicam perfis genéticos mais suscetíveis à replicação viral da Covid-19. O trabalho pode ajudar a explicar porque algumas pessoas têm consequências mais graves da doença mesmo sem fazer parte do grupo de risco. O artigo é assinado por pesquisadores do Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, do Programa de Biotecnologia aplicada à saúde da criança e adolescente das Faculdades Pequeno Príncipe e Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe e do Laboratório de Virologia da Universidade Federal do Paraná e Hospital de Clínicas.

SBPC: Em defesa da liberdade

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) tem demonstrado preocupação em relação à liberdade científica no Brasil. Recentemente a organização lançou o “Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade”.  O objetivo é registrar e denunciar restrições à pesquisadores e instituições de pesquisa.

Bolsas produtividade do CNPq

Foram publicadas duas chamada para destinação de recursos para bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) e bolsas de Produtividade Sênior (PQ-SR), voltadas a incentivar o aumento da produção científica tecnológica e de inovação no país. O valor a ser destinado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é superior a R$ 407 milhões. A submissão de propostas será de 30 de junho a 16 de agosto de 2021.


Para ir além

O direito à cidade e os riscos da Resolução CGSIM 64

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