Passou da hora de levarem a sério as pesquisas brasileiras para vacinas contra Covid-19

Cinco universidades do país, entre elas a UFPR, podem colocar o país na vanguarda da produção de vacinas. Investimentos públicos ainda são muito tímidos

Não há explicação para a falta de recursos governamentais para a produção de vacinas brasileiras contra a Covid-19. O alto custo para importação de insumos e a dependência do país, que provoca a falta de vacinas para brasileiros, é um alerta para que repensemos a maneira como o dinheiro público tem sido aplicado neste quesito. Sem tecnologia e estrutura suficiente, o Brasil está atrás de países emergentes como a Índia, que produz sua própria vacina, a Covaxin, aquela mesma da CPI da Covid, e da qual somos um dos principais clientes.

Faltam laboratórios adequados, fábricas que atendam às normas de segurança e, claro, recursos para pesquisas. Ainda sem condições de desenvolver uma vacina própria, o país já gastou R$ 9,6 bilhões, o que daria para construir cerca de 9 laboratórios e fábricas que garantiriam uma produção com tecnologia própria e, melhor ainda, por instituições públicas, isto é, sem que o lucro determinasse o valor do produto.

Das 8 vacinas autorizadas para distribuição no Brasil, apenas a Butanvac, do instituto Butatan, e a Astrazeneca, da Fiocruz, são produzidas no país, mas com insumos importados. Hoje a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conta com uma lista de 29 estudos clínicos aprovados para testes com vacinas. Desse total, apenas 4 são provenientes de universidades públicas, o restante são de instituições privadas, sendo a maioria de empresas farmacêuticas.

A corrida pelo desenvolvimento da vacina brasileira pode colocar as universidades e o país na vanguarda, passando de comprador para fornecedor de insumos e antígenos. Se se confirmar a eficácia das vacinas pesquisadas, teremos uma importante indicação do valor das universidades para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no país.

Hoje, das 4 iniciativas, duas estão mais adiantadas com autorização para realizar estudos clínicos. É o caso da Universidades Estadual do Ceará (UECE), que estuda a Defense, e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que desenvolve testes com a Spike.

Outras duas instituições têm demostrado resultados promissores mais recentemente e, em breve, devem compor essa lista. A Versamune, da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, em parceria com a Farmacore, tem chamado a atenção da comunidade científica. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com a vacina Spin-Tec, recebeu um aporte significativo de recursos. O projeto já conta com mais de R$ 140 milhões vindos de diferentes fontes e deve iniciar testes em humanos, em breve.

Outro projeto que promete apresentar bons resultados é o da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Com um orçamento muito mais modesto até o momento, de apenas R$ 1,4 milhão, menos de 3% do que é necessário para a realização dos testes na fase clínica, os pesquisadores aguardam o repasse de outros R$ 18 milhões do Governo do Estado. Já o governo federal repassou, até agora, apenas R$ 220 mil via edital do CNPq, pelo programa Rede Vírus.

Apesar disso, Emanuel Maltempi de Souza, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular e um dos responsáveis pela pesquisa paranaense, está otimista. A diferença para as demais, segundo ele, é que a vacina da UFPR é produzida sem nenhum componente estrangeiro, ao contrário das demais instituições. “O antígeno é produzido no Brasil, utilizando outro organismo, gerando nanopartículas de bioplástico, que têm capacidade bioestimulante para que o organismo gere anticorpos”, explica ele. A eficácia é baseada em uma prática moderna para produção de vacinas, diferentemente do uso de partes do vírus ou vírus mortos, e já obteve um alto grau de eficácia em laboratório.

Com os recursos atuais, a vacina da UFPR poderá realizar a fase pré-clínica, onde são feitos testes em animais, que devem começar em outubro deste ano. Os estudos devem avançar graças a uma parceria com o Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná), que conta com estrutura adequada para esta etapa.

Já na chamada fase clínica, que exige aprovação da Anvisa para realização de testes em humanos, os pesquisadores preveem um valor aproximado de R$ 75 milhões. O custo elevado se deve ao fato de que a manipulação do vírus e do antígeno exige a construção de laboratórios e compra de equipamentos. “É um gargalo muito grande para a indústria nacional e para quem pretende passar para a fase clínica. São poucas as instalações que permitem isso no Brasil”, explica Souza.

A vacina da UFPR promete facilitar o acondicionamento e transporte, reduzir efeitos colaterais e custo mais baixo para sua produção em relação às outras iniciativas. Além disso, os resultados também poderão ser aproveitados para produção de outras vacinas futuramente, tendo em vista a infraestrutura instalada e o conhecimento adquirido. Se der certo, veremos uma mudança importante na lógica de mercado. O Brasil passaria de importador para exportador de vacinas. Com o dinheiro da venda, poderia investir ainda mais na área.

Para viabilizar o projeto, a UFPR tem feito uma campanha de arrecadação. Acho louvável a iniciativa, mas é uma vergonha para o governo que a instituição tenha que fazer isso. Se eu fosse o ministro Marcos Pontes, que, aliás, já conhece o projeto, apostaria todas as minhas fichas nestas iniciativas.

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