Episódios de estiagem em Curitiba devem piorar

O problema não está ligado apenas a fenômenos naturais. Ação humana tem sido determinante. Cientistas alertam para necessidade de mudanças urgentes

Os moradores de Curitiba e região completam um ano e meio de rodízio de abastecimento de água. Os reservatórios operam hoje com 46,92% da sua capacidade, longe de uma expectativa de normalização. O problema não é novo. Historicamente, a região é marcada por secas e por variações climáticas. Porém, ao que tudo indica, estiagens como esta que estamos vivendo devem se intensificar nos próximos anos. 

Fenômenos climáticos que alteram correntes marítimas como o El Niño, marcado por períodos mais chuvosos, e o La Niña, onde prevalece a seca, também são agravantes. Neste momento, vivemos os efeitos do La Niña, que começou em 2020 e deve perdurar até o final deste ano. Parte do problema para a falta de água em Curitiba pode ser explicado por aí. Como se trata de uma região mais sensível às mudanças climáticas, os efeitos acabam sendo sentidos mais fortemente no primeiro planalto paranaense.

O pesquisador físico peruano radicado no Brasil José Antônio Marengo, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), aborda o assunto em artigo publicado em 2008, na revista Estudos Avançados. Porém, ele também ressalta a problemática atividade humana que altera significativamente o comportamento do clima nos últimos 50 anos. O aumento de temperatura, resultante de gases que provocam o efeito estufa “tem sido observada como possível causa de problemas que podem afetar a variabilidade e a disponibilidade na qualidade e quantidade da água”.

O relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), organizado pelas Nações Unidas, e publicado no último dia 9, faz uma dura previsão sobre mudanças climáticas. Um dos tópicos do relatório diz respeito a problemas relacionados à seca em algumas regiões do planeta. Dentre os vários efeitos que o aumento da temperatura provoca, está a retenção maior de água na atmosfera. Isso ocorre porque a evaporação fica mais acelerada. Com nuvens mais carregadas, as chuvas acabam ocorrendo de forma volumosa, favorecendo os temporais. Resultado: alagamentos em algumas regiões e seca em outras. É o que os cientistas identificam como desequilíbrio.

O relatório é produzido pela Organização Mundial de Meteorologia (WMO), criada em 1988. O grupo composto por 195 cientistas de todo o mundo já produziu outros cinco relatórios com dados relacionados às ações dos seres humanos sobre o meio ambiente. Sempre com previsões muitos ruins sobre o futuro.

Alarmismo?

Alguns taxam o grupo como “alarmista” e contestam os dados baseados na tese de que as mudanças climáticas são resultantes de efeitos naturais. No entanto, ainda que de fato as alterações naturais façam parte de ciclos espontâneos do planeta, é possível verificar o crescimento acentuado da temperatura nos últimos 50 anos como mostra o gráfico. É o que, na opinião dos cientistas, tem provocado mais fortemente as anomalias que vivenciamos atualmente e que tendem a se agravar muito, caso não sejam tomadas providências.

Nota: A área verde corresponde às variações de temperaturas naturais da Terra. A área marrom diz respeito às variações provocadas pelo homem em conjunto com fenômenos naturais. Fonte: Relatório IPCC, 2021.

De acordo com Jean Pierre Ometto, também do INPE e professor da Universidade de Campinas (Unicamp), o que acontece em Curitiba é o que se chama de “eventos climatológicos extremos”. Segundo ele, estas situações sempre ocorreram na região de Curitiba. “O que acontece agora é que estão se intensificando. Têm frequência e intensidade”. O problema é que mesmo com muita chuva, estilo temporal, o problema também não se resolve. “Não há uma distribuição adequada ao longo do tempo. A água se perde porque não é captada pela bacia de drenagem. O ideal é chuva leve e longa”, diz.

Julio Gonchorosky, diretor de Meio Ambiente e Ação Social da Sanepar, também defende que as mudanças climáticas ampliam o efeito de uma seca natural. Mas ele também reconhece as limitações da capacidade de abastecimento de água pelo sistema atual, composto por 4 represas, defasado há pelo menos 25 anos. A represa do Miringuava, em São José dos Pinhais, é uma das obras que vêm sendo executadas pela empresa para amenizar o problema. Sim, amenizar.

Devido ações civis e problemas com a primeira construtora, a obra que deveria estar pronta há muito tempo, ainda nem foi finalizada e já não é suficiente para suprir a população atual de Curitiba e região, quem dirá no futuro. Por isso, segundo ele, a Sanepar já tem estudos para iniciar a construção de uma outra barragem em Fazenda Rio Grande, cidade localizada ao sul da capital.

Adaptação ambiental

De qualquer maneira, Gonchorosky entende que a construção de barragens tem um alto custo para os usuários do serviço, já que a conta das obras é revertida para as tarifas, e também para o meio ambiente. A mudança de comportamento é uma urgência, segundo ele. “Um dos desafios para empresas que trabalham com a água é de conservação dos recursos e bom uso. Hoje você não paga pela água no Brasil. Paga pelo serviço de captação, tratamento, distribuição e tratamento de esgoto. Vai chegar um momento que teremos que pagar pela água”, diz.

Essa também é a opinião de Ometto. “Precisamos reduzir perdas, que estão em 40%, no Brasil. É uma água que não volta para o sistema. É preciso aumentar a capacidade de estoque, interligar reservatórios e fazer uso racional. Um exemplo são as cisternas, reuso de água e práticas de adaptação”, defende.

Ele coordena um projeto nacional que visa ajudar na gestão dos riscos climáticos no Brasil. A plataforma AdaptaBrasil promete monitorar as mudanças climáticas em todo o território brasileiro. Trata-se de uma iniciativa desenvolvida por cientistas ligados ao INPE, que oferecerá dados para que os municípios possam se preparar para eventos climáticos. Hoje a plataforma já pode ser acessada, mas apenas os dados referentes ao semiárido nordestino estão disponíveis. A promessa é que em setembro todos os dados dos demais municípios do país estejam acessíveis.

O programa visa mudar o comportamento dos brasileiros a respeito do uso da água. Além da economia constante, os pesquisadores também miram no desenvolvimento de tecnologias que contribuam para reduzir o desperdício. As indicações dos cientistas que produziram o relatório do IPCC vão no mesmo caminho. A redução da emissão de gases que provocam o aquecimento global é urgente. Em um cenário otimista, a temperatura deve subir pouco nos próximos 40 anos. Em um cenário pessimista, a temperatura global deve subir 2 graus célsius. Os resultados seriam catastróficos, incluindo não apenas a intensificação da estiagem em certas regiões, mas também o aumento do nível do mar, temporais, furacões, entre outros fenômenos nem tão naturais assim. 

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