A arte do encontro

Há quatro anos, um apartamento recebe leituras dramáticas na 13 de Maio

Poucos anos atrás, Eduardo Ramos trabalhava como gerente no comércio até que um dia resolveu fazer um curso de teatro no alto de seus então 26 anos. Diz ele que não era um frequentador assíduo de espetáculos, mas sempre teve uma ligação muito forte com o cinema que o aproximou da arte da representação. A partir do curso, começou a se inserir em alguns trabalhos como ator, engatou no Núcleo de Dramaturgia do SESI e lá conheceu o autor e diretor Don Corrêa. Dessa amizade, surgiu a ideia de ler textos teatrais nas segundas-feiras no apartamento de Eduardo na Rua Treze de Maio, que já era utilizado por ele e por outros grupos como sala de ensaio.

A atriz Carolina Meinerz. Foto: Amanda Vicentini Simonetti.

Começando com petits comités, o projeto cresceu e a quantidade de pessoas acompanhando as leituras aumentou. O que eram 10 ou 12, passaram a 40 ou 50. O apartamento de generosas proporções fazia com que todos se sentissem muito à vontade. Para quem quisesse trazer bebidas, era permitido. Para quem não trouxesse, a casa fazia uma provisão, revendia a preços módicos e com o lucro, pagavam-se as fotocópias das dramaturgias lidas e, eventualmente, uma faxineira para limpar a bagunça deixada pela reunião propositalmente informal. Aliás, informalidade é palavra de ordem do evento (Um oxímoro já no segundo parágrafo! Vai ficar aí mesmo.). A experiência pretendida é que haja uma relação genuína entre os atores e a plateia, que se senta no chão ou fica em pé ou circulando pelo espaço, caçando uma cerveja. Não há rituais severos a serem cumpridos, apenas a disponibilidade de troca. Tampouco há um processo longo de ensaios, os atores de cada leitura se encontram apenas uma vez antes do dia agendado.

Festas pós-leituras. Foto: Amanda Vicentini Simonetti.

Segunda-feira que vem, dia 22/7, marca o retorno do Teatro de Segunda, já entrando no seu quarto ano de ações. O texto escolhido por Ramos, Corrêa e o autor e professor Marcelo Bourscheid é “Carícias” do escritor catalão Sergi Belbel. Talvez seu texto mais famoso, tendo virado filme em 1998, traz onze personagens em diferentes tipos de interações, sempre de dois em dois. Além da qualidade da dramaturgia, um dos fatores que contribuíram para esta escolha foi justamente a grande quantidade de atores necessários agregando um elenco numeroso para a volta das atividades. A participação deste elenco é sempre voluntária e procura-se chamar atores diferentes a cada vez e de preferência de companhias bem variadas. Como nos anos anteriores, haverá um encontro mensal, sempre nas segundas-feiras (geralmente a última do mês). Eduardo conta que são selecionados textos que promovam a possibilidade de jogo, ou seja, dramaturgias que ofereçam lacunas a serem completadas direta ou indiretamente pelo público. Que façam com que os “lugares de risco criem lugares de encontro”.

Atenção. Foto: Amanda Vicentini Simonetti.

“Encontro” é palavra repetida por Eduardo e parece ser o que mais interessa a ele nessa empreitada toda. O Ap da 13, como sua casa foi batizada, vira um tubo de ensaio para testar as teorias artísticas dele e de seus colegas nas interações com seus convidados. Também, é claro, estar em contato com novos textos de diferentes autores, contribuindo para seu repertório pessoal assim como para o dos seus convivas espectadores. As leituras não são seguidas por um debate, as pessoas comentam o que quiserem com quem quiserem e, não raro, ficam horas e horas depois de acabada a apresentação.

São essas conexões espontâneas e as reações imprevisíveis que instigam os organizadores a continuarem as leituras. Num momento particular das vidas privadas em que várias das nossas relações passam por telas, atividades como a de um simples encontro presencial para ler um texto novo merecem aplauso – só não tão alto que incomode os vizinhos do Eduardo.

O abraço de Eduardo com o parceiro Marcelo Bourscheid. Foto: Amanda Vicentini Simonetti

***

Para quem quiser se aprofundar mais no trabalho desenvolvido por Ramos e por Corrêa, haverá também a segunda edição da Residência do Ap. Os dois irão ministrar, em encontros semanais, oficinas voltadas à atuação, dramaturgia, teoria teatral e História da Arte. A residência terá duração de 3 meses a partir de agosto e, ao final, alguns selecionados poderão participar de um processo de montagem que resultará num espetáculo que deve estrear e cumprir temporada no início do próximo ano.

Serviço:

Teatro de Segunda –  “Carícias” de Sergi Belbel

Com: Andrew Knoll, Heleno Rohn, Jossane Ferraz, Lucas Neves, Luiz Carlos Pazello, Marcelo Bourscheid, Olga Nenevê, Richard Rebelo, Silvia Monteiro, Sonia Morena e Verônica Rodrigues

22/07, às 20h

no Ap da 13 (Rua Treze de Maio, 1001, ap 01)

Entrada franca 

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