Propagação de fake news e o abuso dos meios de comunicação: uma nova restrição eleitoral?

Vídeo de Fernando Francischini atacava diretamente as instituições democráticas, colocando em dúvida a legitimidade do processo eleitoral

Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisou o caso do enquadramento da propagação de fake news como abuso dos meios de comunicação. O caso concreto trata-se de vídeos divulgados, no dia das eleições, pelo à época candidato a deputado estadual Fernando Francischini, afirmando que as urnas eletrônicas são fraudáveis e colocando em dúvida a lisura do pleito eleitoral. A alegação era de que a fraude impedia a votação no candidato Jair Bolsonaro.

O fato é que o candidato Jair Bolsonaro foi eleito, com 46,03% dos votos no primeiro turno e sagrou-se vencedor no segundo turno. O candidato Francischini foi o deputado estadual com maior votação no estado do Paraná, foram 427.749 votos.

O Ministério Público ingressou com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra o deputado Francischini, argumentando, em síntese, que a propagação do vídeo configura abuso dos meios de comunicação, em razão da divulgação de notícias falsas e promoção pessoal e partidária no dia das eleições. No Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná (TRE-PR), a ação foi julgada improcedente, porém, quando submetido ao TSE, o julgamento foi revertido, e com 6 votos favoráveis a demanda foi julgada procedente, o que resultou na cassação do mandato do deputado estadual e na declaração da sua inelegibilidade por 8 anos, no dia 28/10/2021.

A controvérsia jurídica do caso é se o uso indevido das redes sociais pode ser enquadrado na vedação ao abuso dos meios de comunicação social nos pleitos eleitoral, nos termos do art. 22 da LC 64/90. Isto porque a legislação possui um rol taxativo dos meios que podem desequilibrar um pleito, de modo que ou se entende que as redes sociais fazem parte do conceito geral de “meios de comunicação” ou então o uso indevido dessas ferramentas não poderá resultar na condenação em cassação do mandato e inelegibilidade.

O julgamento no TRE-PR pela improcedência utilizou como fundamento a não configuração de abuso dos meios de comunicação, por entender que o uso das redes pessoais não é elemento apto a configurar o tipo legal, uma vez que necessitaria “da utilização de veículos de imprensa (…), em benefício de determinado candidato, seja pela concessão em seu favor, de espaço privilegiado na mídia, ou pela crítica abusiva aos demais concorrentes”, conforme a própria ementa. Ainda que tenha considerado grave a conduta do candidato, a Corte paranaense entendeu que a punição deveria ser excepcionalmente afastada, uma vez que considerou não ter provas de que a conduta foi em benefício do candidato.

O julgamento do TSE apresenta elementos jurisprudenciais importantes, os quais serão relevantes nas próximas eleições: definição das redes sociais enquanto meios de comunicação, aptas a configurarem o abuso do art. 22, XIV da LC 64/90 e a divulgação de notícias falsas como forma de abuso dos meios de comunicação. Ainda que gere muitas discussões, as reformas eleitorais, na tentativa de acompanhar a evolução tecnológica, passaram a enquadrar a internet como meio de comunicação, tanto que o direito de resposta é assegurado nas redes sociais.

Ainda que diante do princípio da anualidade – segundo o qual inovações nas regras eleitorais apenas podem ser aplicadas um ano após o ingresso no ordenamento jurídico – fundamentando que seria uma mudança jurisprudencial, importante destacar que a Corte Eleitoral já havia se manifestado no sentido de que as redes sociais integram os meios de comunicação, tanto que meios comunicativos na internet estão previstos nas resoluções emitidas no ano de 2018. Anna Paula Mendes, em sua dissertação, afirma que enquadrar a propagação de fake news como abuso dos meios de comunicação não é inovar na tipificação legal, mas sim promover a correta leitura da legislação vigente, afinal, “são um ilícito de propaganda, e podem configurar uma prática de abuso do poder, caso preenchido, também, o requisito do alcance da desinformação”.

O vídeo atacava diretamente as instituições democráticas, colocando em dúvida a legitimidade do processo eleitoral. A veiculação foi no dia das eleições, alcançando 70.000 visualizações. A decisão da Justiça Eleitoral não é uma nova restrição, mas sim uma adequação do texto legal às novas conformações tecnológicas. Caberia ainda questionar se a conduta teria a devida gravidade apta a promover a cassação do mandato e a declaração de inelegibilidade, requisito o qual, segundo o TSE, foi devidamente demonstrado.

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