O dito pelo não dito: o julgamento do TSE e as repercussões da ilicitude das gravações ambientais em locais privados

Com o novo entendimento, gravação ambiental clandestina sem o conhecimento do interlocutor e realizada em espaços privados passa a ser ilícita nos processos judiciais eleitorais

É de longa data a problemática envolvendo a gravação das falas de candidatos ou apoiadores em campanha eleitoral. Os concorrentes precisam dialogar com eleitores para exercer lícita influência a seu favor no pleito. Eleitores, não raras vezes, buscam na figura do candidato eventual auxílio para problemas financeiros, de trabalho ou atinentes à Administração Pública.

É nesse âmbito interativo entre os players do processo eleitoral que se dá a realização de gravações ambientais, em locais privados e sem o conhecimento do interlocutor. Referidas gravações, posteriormente, são utilizadas pelos opositores políticos em processo judicial eleitoral.

Grande parte dos estudiosos do Direito Eleitoral se apresentam enquanto críticos desta modalidade de prova, dada a peculiaridade atinente ao pleito e à interação entre candidatos e eleitores.

As críticas costumam abordar que essas provas são sempre premeditadas, com fito exclusivamente acusatório do interlocutor captado pela gravação. Há, ainda, a questão relativa à legítima expectativa de privacidade em ambientes fechados. Em campanha, esta expectativa é ainda maior, na medida em que pode envolver táticas e segredos de campanha.

No que diz respeito à jurisprudência, a questão é um pouco mais volátil, envolvendo diversas viradas de entendimento entre os ministros do Tribunal Superior Eleitoral.

Para as eleições ocorridas antes de 2016, entendia o TSE pela “ilicitude da prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial e em violação à privacidade e à intimidade dos interlocutores” (TSE – HC n.º 30808), tendo como exceção aquela ocorrida em locais públicos (TSE – Respe n.º 64.036), ou, ainda que privados, com amplo acesso ao público (TSE – Respe n.º 54.542).

Após o pleito de 2016, passou-se a compreender que “a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, é, em regra, lícita” (TSE – Respe n.º 40898).

Obviamente, a discussão acerca da licitude da gravação clandestina jamais perdeu relevo nos processos judiciais eleitorais, sendo objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal, através do RE n.º 1.040.515. Trata-se de processo que já conta com o voto do relator, ministro Dias Toffoli, proferido em junho de 2021, que compreendeu pela ilicitude deste meio de prova, tida como imbuída de instigação e intenções espúrias de acusação.

Não fosse suficiente, importa observar que o TSE, mais uma vez, protagonizou nova virada jurisprudencial, ocorrida em 7/10/2021, no julgamento de processos provenientes de São Pedro da Água Branca/MA, Santa Inês/PR e São José da Safira/MG).

O entendimento foi perfilhado no voto do Relator, Min. Alexandre de Morais, que foi seguido pela maioria da Corte (Ministros Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell e Carlos Horbach).

Das razões de decidir, pode-se vislumbrar a compreensão de que a gravação ambiental em ambientes fechados, sem o conhecimento do interlocutor, feriria os direitos fundamentais à privacidade e intimidade.

Por fim, o ministro Alexandre de Morais também ressaltou a aplicação imediata do pacote anticrime (Lei n.º 13.964/19), que inseriu o art. 8-A à Lei n.º 9.296/96, ao prever que a “captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos” deverá ser precedida de autorização judicial, “a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público”.

Levando a cabo, observa-se a possibilidade de potencial alteração do rumo dos processos judiciais eleitorais já em trâmite, ajuizados nas campanhas de 2016 e 2018 e ainda sem a certificação de trânsito em julgado. No mesmo sentido, apesar de se esperar pela manutenção do entendimento pela ilicitude do meio de prova tratado, é importante esclarecer que as votações acirradas indicam uma ausência de solidificação da jurisprudência para os pleitos vindouros.

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