A justa causa para desfiliação em casos de fusão de partidos políticos

A fusão entre o DEM e o PSL, que resultou no União Brasil, abriu o debate quanto a possibilidade de desfiliação sem perda do mandato dos parlamentares que integravam as antigas legendas

A fusão do PSL com o DEM, aprovada em convenção nacional conjunta em 6 de outubro de 2021 e julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral em 8 de fevereiro deste ano, constituiu o partido União Brasil. E, com isso, foi aberto o debate quanto a possibilidade de desfiliação sem perda do mandato dos parlamentares que integravam as antigas legendas, seja porque não veem mais espaço dentro da nova agremiação, seja por pretenderem assumir outra posição política na corrida eleitoral que se avizinha. E essa questão traz consigo certas considerações.

A desfiliação partidária (e as suas hipóteses de justa causa) tem bases no artigo 17 da Constituição, sobretudo em seu parágrafo 6.º, incluído pela EC n.º 111/2021, por meio do qual se previu que “[os] Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei […].

A Constituição delega à legislação ordinária, pois, o estabelecimento de hipóteses de justa causa. A despeito disso, a Lei dos Partidos Políticos (Lei n.º 9.096/95), em sua redação original (art. 22), tratou somente do cancelamento da filiação, restando omissa quanto a hipóteses de desfiliação.

A fim de suprir essa lacuna, verificada pela necessidade e prática do meio político, o TSE editou a Resolução n.º 22.610/2007, por meio da qual passou a ser possível a justificação de desfiliação partidária sem perda do mandato quando houvesse, entre outras hipóteses, a incorporação e/ou fusão de partidos (art. 1º, §1º, I).

Ocorre, porém, que a previsão foi derrogada pela minirreforma eleitoral de 2015 (Lei n.º 13.165), quando se incluiu na Lei dos Partidos Políticos o seu artigo 22-A, estabelecendo as hipóteses de justa causa, mas sem nelas prever a fusão e a incorporação de partidos.

Esse cenário poderia levar à conclusão de que não haveria justa causa em casos como o que resultou na formação do União Brasil. No entanto, a meu ver, não é essa a melhor leitura, pois a interpretação correta é mais simples: a dicção do próprio caput do artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos dispõe que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito”, estabelecendo-se que não pode o parlamentar se desfiliar – e este é o ponto chave, a ser reiterado – “do partido pelo qual foi eleito”.

Ocorre que, com a fusão, deixaram de existir os partidos que constituíram o União Brasil, havendo doravante, para todos os fins legais, somente este novo partido. Consequentemente, todos os parlamentares eleitos, seja pelo PSL, seja pelo DEM, não foram expressamente eleitos pelo União Brasil.

Logo, é possível afirmar que a fusão (aqui representada pelo caso PSL/DEM, mas em conclusão que poderia ser aplicada a possíveis outros, ao menos em tese), é hipótese legítima a permitir a desfiliação de seus parlamentares sem perda de seus mandatos eletivos.

Essa desfiliação, porém, não pode ser exercida a qualquer momento. Conforme precedentes, o ingresso no novo partido somente pode ocorrer no “prazo razoável” de trinta dias após o registro do estatuto na Justiça Eleitoral (Consulta n.º 75.535/2011), e somente é possível para parlamentares dos antigos partidos que deixaram de existir graças à fusão, não sendo aberta qualquer janela para parlamentares de outras agremiações (Consulta n.º 18.226/2014).

Com fundamento nesses precedentes, o ministro Fachin deferiu o pedido para imediata execução do julgado, dispondo que desde a data do julgamento (8 de fevereiro) nasceria o direito, pelo prazo de 30 (trinta) dias, de que parlamentares se desfiliem da agremiação sem perda de mandato.

Pode-se concluir, enfim, que há hipótese de justa causa na desfiliação de parlamentares integrantes de partidos fundidos, bem como sua filiação a outro partido, no prazo de 30 (trinta) dias, contados após o deferimento do registro do estatuto do novo partido no TSE.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

Mentiras sinceras me interessam

Às vezes a mentira, ao menos, demonstra algum nível de constrangimento, algum nível de percepção de erro. Mas quando a verdade cruel é dita sem rodeios, o verniz civilizatório se perde

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima