A (in)elegibilidade de juízes e membros do MP que respondem a processos disciplinares

A Justiça Eleitoral tem o dever de analisar o teor do processo disciplinar instaurado para que se possa verificar se o pedido de exoneração ou aposentadoria voluntária se deu no intuito de burlar a lei ou não

No ano de 2010 a legislação eleitoral sofreu uma de suas maiores alterações no que diz respeito às inelegibilidades daqueles que pretendiam concorrer a algum cargo no Poder Legislativo e no Poder Executivo. Trata-se da LC 135/2010 mais conhecida como “Lei da Ficha Limpa”.

A referida lei chegou ao Congresso com mais de um milhão de assinatura ansiosos pela moralidade plena, tornando-se, após oito meses de tramitação, a quarta lei de iniciativa popular de nosso país e, com isso, criando diversos casos de inelegibilidade ao art. 1.º da LC 64/90 criando diversos casos de inelegibilidade.

Dentre eles temos a alínea “k” que estabelece a inelegibilidade dos parlamentares que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo que vise a cassação do mandato.

O STF (quando do julgamento da ADI 4578), tanto no voto do relator Luiz Fux como no voto da ministra Rosa Weber, houve expresso posicionamento no sentido de que apenas estaríamos frente a uma inelegibilidade se a representação ou a petição fossem capazes de autorizar a abertura do processo e, ainda, se o resultado desse fosse a efetiva cassação do mandato, afinal a inelegibilidade é secundum eventum litis.

E diverso não poderia ser o entendimento posto que as normas em geral não podem e não devem ser analisadas somente sob o seu aspecto literal, mas sim levando em consideração os seus fim, sendo tal determinação expressa no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Dec. Lei 4.657/42): “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

A Lei da Ficha Limpa em momento nenhum quis, ou tinha a pretensão, de que seu fim social fosse o de tornar inelegível todo e qualquer parlamentar que renunciasse ao seu mandato quando instaurado processo em face do mesmo, mas sim em tornar inelegível aqueles que utilizasse desse subterfúgio para escapar ou evitar uma cassação. E é com esse mesmo entendimento que se deve, ao nosso sentir, ser interpretada a alínea “q”.

Flávio Dino. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.

E essa foi a justificativa do então deputado federal Flávio Dino (PCdoB) quando da apresentação da Emenda n.º 7 e 8 da LC 135/2010: “…Esta última hipótese é prevista para evitar que o pedido de exoneração ou de aposentadoria voluntária seja realizado para afastar eventual inelegibilidade de membro do MP, o que seria verdadeira burla ao espírito deste Projeto de Lei Complementar

Esse é o espírito da lei, essa é sua real intenção da norma: a busca da moralidade e não simplesmente a declaração de inelegibilidade em abstrato.

A Justiça Eleitoral (quem cabe declarar a inelegibilidade do candidato) tem o dever de analisar o teor do processo disciplinar instaurado para que se possa verificar se o pedido de exoneração ou aposentadoria voluntária se deu no intuito de burlar a lei ou não.

Exemplo claro se observa quando o processo disciplinar aberto tenha como sanção apenas uma advertência, por exemplo. Nesse caso ao pretenso candidato seria mais interessante que confessasse a infração, fosse sancionado e, após se exonerasse. Nesse quadro não haveria inelegibilidade. Ao contrário senso, tão somente por ter solicitado a exoneração previamente seria sancionado de forma mais grave do que se aguardasse a decisão do processo disciplinar? Trata-se de nítida desproporcionalidade, afinal, “a maiori, ad minus”.

E vamos mais além, a própria LC 64/90 determina a necessidade do magistrado e do membro do Ministério Público em se afastar definitivamente do cargo para concorrer ao pleito. Nesse diapasão, pela necessidade de cumprir um comando legal estaria o candidato inelegível?

Novamente voltando-se para a alínea “k”, o legislador reconheceu essa exceção no § 5º, ou seja, não há o que se falar em inelegibilidade do parlamentar nos casos de afastamento legal, ainda que existisse processo que pudesse efetivamente levar à sua cassação. Porém o legislador “esqueceu-se” de adotar a mesma exceção aos magistrados e membros do Ministério Público, o que demonstra, em verdade, a ausência de um efetivo debate do Congresso à época, o que possibilitou essas e tantas outras incoerências na lei, tanto que, passado, mais de doze anos de sua promulgação, a Lei da Ficha Limpa ainda alvo de inúmeros debates.

Ao nosso ver, é totalmente equivocada a interpretação literal da norma disposta na alínea “q” do inciso I do art. 1º da LC 64/90, devendo sempre analisar o caso com base no espírito da Lei.

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