Marcha

O equilíbrio é tão difícil que é normal sentir tontura quando se levanta meses e até anos depois do AVC

Acidentes vasculares cerebrais são cruéis o suficiente para nos tirar a capacidade de andar. Para voltarmos a andar, passamos por um processo chamado “marcha”. que funciona mais ou menos assim:

Antes de se levantar e ir para algum lugar, primeiro é preciso pensar em qual perna é a dominante. Dominante é a perna que você tem mais equilíbrio, ou no meu caso, a perna não sequelada. Então, toca-se a perna dominante no chão e faz esforço para se levantar. Deu? Que bom. Então é preciso testar o equilíbrio. Se der tontura, senta-se de novo. Está tudo bem? Então é preciso continuar. Agora vem a parte mais difícil. A de firmar a perna sequelada no chão. Nesse momento é preciso se segurar no que tiver na sua frente: cabeceira da cama, estante, andador, pessoa próxima. Porque agora é preciso testar o equilíbrio de novo e a chance de você cair é imensa. A perna sequelada é tortinha e pesada. Ela dói quando mexe e a fadiga de mexê-la é tamanha ao ponto de cair a sua pressão. Tem que ir devagar. Tem que ter coragem. Sem choro, sem desconcentração. Só assim é possível iniciar a marcha.

A marcha é um pé de cada vez ocupando cada lado; o direito e o esquerdo. (Se você falar o nome é mais fácil se concentrar). É preciso ter muito cuidado e equilíbrio. É preciso checar o equilíbrio, a respiração, o peso da perna sequelada e a força da dominante. A marcha é a preparação para o andar. Seja com a ajuda do andador, da bengala ou sozinho (nível hard core). Ela é importante e difícil. Não se engane, voltar a andar é muito difícil. Tanto que muitos avcistas postam esses vídeos em nossos grupos de apoio. E todos merecem palmas. Andar e segurar o xixi é muito difícil (mais do que vestibular da Federal ou exame para tirar a carteira de motorista). O equilíbrio é tão difícil que é normal sentir tontura quando se levanta meses e até anos depois do AVC. Se houver desequilíbrio, esquece tudo e senta para recuperar o fôlego. Presta atenção na pressão, porque o esforço é tanto que pode se passar mal.

É preciso ter dedicação e cuidado. A gente não vai correr a São Silvestre, mas o treino é como se fosse. O pé fica mole e torto e o desequilíbrio é imenso (o meu é na esquerda para trás, se eu não me cuidar, eu caio mesmo). Depois a fadiga é enlouquecedora. Se isso é difícil no corredor de casa ou do hospital, imagina na rua? Na calçada esburacada, com carros furando o sinal e pedestres apressados? Imagina fazer isso sem bengala e de salto? Missão impossível. Mas a gente continua marchando. Um por todos e todos por um. A gente marcha e posta nos perfis das redes sociais. Os amigos não avecistas não entendem a empolgação. Os amigos avcistas dão apoio. A gente entende, a gente sabe como é difícil, e a gente aplaude.


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