Gestão de crise

Peguei Covid. Foi há algumas semanas e nem sei como, pois aparentemente estava me cuidando: saindo só com máscara e passando álcool em gel nas mãos a todo momento

Estamos numa época de crise. A Covid veio com tudo e muitas pessoas queridas foram contaminadas, inclusive eu: fui positivada há algumas semanas. Mas tenho sorte: os derrames me ensinaram a gerenciar períodos de crise. E com carinho, passo o que aprendi adiante.

Peguei Covid. Foi há algumas semanas e nem sei como, pois aparentemente estava me cuidando: saindo só com máscara e passando álcool em gel nas mãos a todo momento, e, ainda, apenas quando necessário (consultas, mercado e visitas a parentes próximos). Mas, mesmo assim, peguei Covid na rua, no mercado ou no elevador do prédio. Num momentinho assim, do nada.

Mas tive sorte, muita sorte. Fui contaminada com uma versão leve do vírus: só tive dor de cabeça, dor de garganta e aquele cansaço típico de infecção viral. Até pensei que era uma infecção comum, e se não fosse por insistência do meu namorado, nem tinha ido fazer o teste: testei e deu positivo. Depois daquele susto da descoberta e daquele pensamento do “putz!”, fui para casa assustada, avisei às pessoas próximas e ao pessoal da portaria (pedi que deixassem os mais chegados enviarem comida e remédio pelo elevador dos fundos), e tratei de tentar aguentar a minha crise interna de recém-positivada.

No meio business o melhor meio de gerenciar uma crise é evitar que ela aconteça, por isso minha principal meta era lidar com o meu psicológico e manter a calma: era preciso agilizar um plano de contingência às pressas e com o máximo de racionalidade possível diante das circunstâncias. Isso porque estar doente dá medo, e ter medo nos deixa frágeis e instáveis. E para equilibrar isso nada como ter um pouquinho de sensatez.

Por isso, fiz o checklist das medidas protetivas necessárias (para evitar transmitir o vírus para mais pessoas) e procurei aplicar os métodos de gestão de crise que aprendi após os meus derrames. A primeira delas foi “me encher de mim”. O AVC vem e nos tira a casca, de repente a gente perde tudo que aparentemente forma a nossa identidade: o nosso trabalho, a vaidade, os amigos e os movimentos. Só resta você e sua essência; quem você é. E é exatamente ela quem te dá força e coragem para seguir adiante. “Se encher de si” é um truque para ganhar força por meio da sua essência. Consiste em se entreter e se rodear com tudo o que a gente gosta. Por exemplo: me encho de Harry Potter, Guimarães Rosa, chás excêntricos e meus dois gatos folgados. Isso tudo me protege do pânico. Além disso, me traz boas lembranças e a vontade de continuar vivendo, afastando os maus pensamentos. Resumindo: protege-me de mim mesma.  

É preciso saber se cuidar em momentos críticos e tal necessidade exige muito autoconhecimento. Não se trata apenas de se mimar com as coisas que você mais gosta, mas também de se policiar daquele velho conhecido autoboicote.  Porque o danado virá, pode ter certeza: nunca falta nas horas de agonia. No meu caso, tenho a mania de fingir que está tudo bem e não pedir ajuda (é, tenho um certo talento para “negacionista” misturado com essência de super-heroína que quase me matou duas vezes, e se eu não cuidar, pode quase me matar de novo). Então, listei o que eu poderia e o que eu não poderia fazer nesta fase e fiz algo totalmente novo para mim: pedi ajuda. Sim, já estou aprendo a me gerenciar melhor em épocas de crise.

Eu moro sozinha e lido com muitas coisas sozinha, mas o ultraisolamento (que é o isolamento dentro do isolamento) seria devastador para a minha cabeça, já que como avcista me sentia isolada antes da pandemia começar. É triste, contudo, verdade: avcista não sai de casa, independente de coronavírus. E as razões são inúmeras:  somos esquecidos para as festas e reuniões porque estamos chatos por só falar em AVC, porque nosso corpo está machucado e “damos certo trabalho” e quando finalmente reunimos forças e botamos o nosso pé com órtese para fora de casa ainda temos que lidar com a falta de acessibilidade e o olhar das pessoas perante as nossas deficiências. É horrível, a gente se sente um ET.

Ao pedir ajuda, recebi mensagens amorosas da família e de amigos (muitos deles dos grupos de apoio, sempre presentes), quitutes gostosos enviados pela minha tia e irmã e a companhia do meu namorado, que resolveu enfrentar a Covid comigo.  Tudo isso me ajudou muito; realmente tenho muita sorte.

Ser contaminada por um vírus em plena pandemia, apesar de estar se cuidando, acontece. Não se trata de karma ou maldição divina. Assim, como o AVC, que também se alastra ferozmente pelo mundo, esse tipo de coisa acontece com qualquer pessoa e precisa ser encarado com força, empatia e naturalidade. Coisas ruins acontecem, e, assim como as coisas boas, passam. O jeito é ter “força na peruca” e se concentrar no que importa: em você, nas pessoas que você ama e nas coisas simples e legais do dia a dia, porque são elas que te salvam no dia de hoje.

Ser confiante também é fundamental: fazer planos e investir em realizá-los nos dá ânimo para passar de fase, e temos que concordar que essa fase não é das mais fáceis para nenhum de nós. Também estou triste com os noticiários dos jornais e por saber que o vírus está levando muitas pessoas queridas. Estamos todos assustados e em luto.  É preciso muita força, coragem e perseverança, sim, sentimentos que nós avcistas transbordamos. Porém, não precisa ter um AVC para sentir isso: todas essas características estão dentro de nós dado que somos humanos, e podemos, sim, encontrá-las. Sei disso, minha experiência com os AVCs me ensinou. E o mínimo que eu faço é passar esse conhecimento adiante.


Para ir além

O cérebro emocional
Hoje eu não quero falar com ninguém
Pena que não há vacina contra o mau-caratismo

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