Por favor, se trate

Minha relação com a terapia começou cedo. Muito antes de eu imaginar que precisaria dela

A minha relação com a terapia começou cedo. Muito antes de eu sequer imaginar que um dia precisaria dela. E é algo muito emocionante para mim. Uma das minhas tias, irmã do meu pai, é psicóloga. E aqui eu uso as palavras dela para descrever o início da nossa história. Ela me contou exatamente assim: “Foi no meu colo que você saiu do hospital. Fui buscá-la no berçário enquanto seu pai levava sua mãe até o carro. Você estava bem embrulhadinha numa manta e de olhinhos fechados, dormindo tranquilamente.” Ou seja, foi nos braços de uma psicóloga que eu fui apresentada ao mundo.

E essa tia sempre teve e continua tendo um papel muito importante na minha vida. Revendo as minhas fotos de bebê, percebo o quanto ela esteve presente mesmo antes de eu me dar conta de que era alguém. Convivi com ela durante minha infância, em todas as fases da minha adolescência e da vida adulta. Ela é, junto com meu pai, a minha figura de referência. Meu porto seguro.

Pois bem, tendo esta relação tão próxima e tão presente com uma analista extremamente dedicada, não é de se espantar que eu sempre tenha tido um fascínio por esta profissão e por todos os meandros da análise. Talvez isso explique a razão pela qual a matéria de Psicologia, na faculdade de comunicação, tenha sido uma das minhas preferidas.

Talvez isso explique, de alguma forma, o porquê de eu nunca ter sentido resistência em “ir me tratar” quando foi preciso. Pelo contrário, sempre houve uma curiosidade muito grande em saber o que acontecia nas sessões, como era o processo, quem falava, quem ouvia, se tinha divã ou não. Obviamente, durante o meu período em terapia houve, como tudo na vida, altos e baixos. Momentos em que eu não queria ir. Momentos em que a terapeuta ia por um caminho e eu queria ir por outro. Momentos tensos, delicados, de muito choro. Enfim, terapia é trabalho. Não é simples, não é fácil. Ou, ao menos, não é fácil todos os dias.

As lições de casa apareciam em muitos sonhos, por vezes perturbadores, que me davam ainda mais trabalho. Eram o resultado e o, ao mesmo tempo, a matéria-prima da terapia. Mas mesmo não sendo fácil e mesmo quando eu sentia a resistência chegar, eu ia. Eu sabia, lá dentro de mim, que falar sobre o que eu sentia, inclusive sobre a vontade de não ir para a terapia, era importante.

E quando a gente se entrega de verdade, depois da fase difícil e mais pesada, acontece algo de muito bacana. É um certo “click”. É um abrir de cortinas, uma luz que se acende. A coisa simplesmente engrena. Eu não sei se o nome “científico” é catarse, eu só sei quando essa coisa acontece é como se as ligações entre os assuntos, que antes sequer existiam, ficassem visíveis. Como se a gente ganhasse óculos novos e descobrisse uma nova cor, que nunca tivesse visto. E isso tudo é muito incrível, para dizer o mínimo. Mas eu só percebi isso porque me dispus a fazer esta imersão em mim mesma. 

E que sortuda eu sou nesta vida! Evidentemente, minha tia nunca me tratou clinicamente, mas eu não tenho nenhuma dúvida que a influência dela fez com que eu pudesse estar mais aberta para tratar das minhas dores. Afinal, eu sei bem que os terapeutas não são os donos da verdade. São pessoas como nós. Que erram e acertam. Que também fazem (muita) terapia e também têm problemas. Que recebem suas sobrinhas recém-nascidas no hospital, as veem crescer e que anos depois também sofrem com o adoecimento delas. Mas sei que, acima de tudo, são profissionais dedicados, solícitos e que estão dispostos a nos fazer entender a nossa realidade, nossas limitações, o que é nosso e o que é do outro. E que nos dão ferramentas para que possamos, a partir de nós mesmos, nos apresentar um mundo novo.

Terapia salva vidas! Por favor, se trate.

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