No olho do furacão

No texto anterior, quando mencionei a minha necessidade de vigiar meus pensamentos e fazer o meu check-up mental com alguma frequência, eu já imaginava que o tema do texto de hoje surgiria. Ressalto que os relatos desta série não foram programados para seguir uma ordem. Eles estão fluindo naturalmente, com o passar dos dias do mês de Setembro, ancorados pela campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio.

Voltando à minha narrativa, há alguns anos, depois de passado o pior período da depressão, quando eu já estava começando a ter uma vida independente novamente, morando sozinha, trabalhando, cuidando dos meus filhotes de labrador e achando que eu já estava livre daquilo tudo, fui pega mais uma vez pela “inconveniente”. Num desses auto check-ups, percebi que a quantidade de pensamentos ruins estava aumentando expressivamente. Não estava conseguindo fazer uso correto dos meus medicamentos, nem conversar com a minha rede de apoio. A insônia estava voltando, minha alimentação estava péssima e eu passava dias sem fome.

Eu conseguia ver o furacão se aproximando. E quem sobrevive a um não deseja estar no olho dele novamente. Estava entrando em pânico de pensar na possibilidade de voltar ao estágio no qual já tinha estado anos atrás. E eu sabia que, apesar de ser experiente em furacões, quando eles chegam a coisa pode ser muito pior do que se espera. E eu realmente estava decidida a não correr mais riscos.

E, depois de conversar com uma amiga muito querida, que é da área da saúde e trabalha com dependentes químicos e, por isso, conhece muitas clínicas e comunidades terapêuticas, decidi voluntariamente por um internamento. Decisão extremamente difícil, que eu ainda posterguei por algum tempo, que me fez ter pesadelos terríveis por algumas noites, mas que foi tomada. Essa amiga contou em detalhes a história de muitos lugares, os enormes problemas sociais envolvidos na temática manicomial – coisa que eu pouco sabia e talvez minha única referência tenha sido o filme Bicho de Sete Cabeças – e deu indicações de bons lugares onde eu poderia fazer uma consulta para conhecer e ver como eu seria acolhida. Eu fiz a consulta e lá fiquei por 30 dias. Tenho histórias muito interessantes para contar.

Mas esse tema exige muita cautela da minha parte, pois é uma questão de saúde pública e eu me sentiria invalidando uma pauta extremamente necessária se não falasse dela antes de narrar a minha experiência. Por isso, este relato terá pelo menos mais dois textos que se acoplarão a ele: a luta antimanicomial e a minha experiência enquanto paciente internada em um hospital psiquiátrico. Assuntos sérios que merecem ser explorados em partes, com muito tato. 

Já que não estamos, neste momento, no olho do furacão e podemos destrinchar o tema, sigamos com a tranquilidade de um dia de brisa leve.

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