O universo dos transtornos mentais é complexo. E essa história dos sorrisos depressivos e dos depressivos que sorriem é um imbróglio à parte. Enquanto muitos escondem sua dor atrás de máscaras sorridentes, outros, pasmem, não têm mais direito a sorrir. E a história de hoje é sobre esses últimos.
Precisamos considerar que as pessoas que sofrem com transtornos mentais estão doentes, mas elas não são a doença. E aqui eu reforço a distinção entre os verbos estar e ser. Para isso, usarei novamente a minha própria experiência. Se em diversos momentos eu tive que sustentar sorrisos tristes para dar conta de tocar a vida, em outros eu tive vontade genuína de sorrir e me autocensurei. O pensamento era “se eu rir, vão achar que eu estou mentindo sobre o que eu sinto.”
E, de fato, eu tenho depressão, mas eu não sou ou estou deprimida 100% do tempo. Eu não me encaixo na figura caricata de alguém cabisbaixo, apático, sem energia, mal-humorado, que anda olhando para o chão, evitando contato visual. Sinceramente, não conheci ninguém que fosse assim o tempo todo.
E, como já narrei em outras histórias, fui questionada de forma muito categórica: “Como assim você diz ter depressão se está sorrindo?” Bem, são tantos equívocos na mesma fala que ainda hoje é preciso respirar fundo antes de buscar dar uma resposta. Mas vou tentar ser didática:
1. O diagnóstico da depressão é feito por um ou mais médicos, não pelo paciente. E eles fornecem atestados médicos, laudos e documentos que comprovam o que foi diagnosticado. Logo, o questionamento sobre eu “dizer ter depressão” implica em questionar o diagnóstico médico. Se há dúvidas, o médico deverá ser consultado.
2. Na impossibilidade de se consultar o médico, o dicionário pode ajudar. Busca-se por depressão e a palavra mentira não estará associada. E acreditem ou não – e com o perdão da gracinha – não fui diagnosticada como mitômana.
3. Quem tem depressão não age de acordo com o “Manual de Comportamento do Deprimido”, pois ele nunca foi publicado. Como seres únicos, cada um sente à sua maneira. Uns choram mais, outros se isolam completamente. Há quem durma mais, há quem coma de menos. E só os profissionais da saúde é que conseguem identificar os sintomas, dentro desse universo, e dizer aos pacientes o que eles têm, de acordo com o diagnóstico clínico.
4. Essa pessoa estava tão equivocada que menosprezou minha depressão, questionou o diagnóstico médico, deixou implícito que eu mentia e ainda fez pouco do meu sorriso. Pois eu não apenas rio, eu gargalho e bem alto.
Ora, gente, ter depressão – também como já falamos – não é uma sentença. Não cobrem que alguém com transtorno mental se comporte como o personagem do filme que você assistiu ou do livro que você leu. Se o fulano do filme ou do livro agia daquela forma, não quer dizer que aquele seja um retrato fiel de todos os deprimidos, muito menos de todos os que pensam em cessar a dor.
Todos, absolutamente todos nós, passamos por fases boas e ruins na vida. A diferença é que as fases ruins, para quem tem transtorno mental, são muito mais intensas. São muito mais longas. Podem acarretar em graves consequências.
Mas também temos momentos de alegria e felicidade. Não nos tirem esse direito com suspeitas, alfinetadas ou censuras.
Talvez aquele sorriso e aquela gargalhada, que você julgue como completamente inapropriadas, sejam os únicos momentos de alívio em muito tempo. O ápice de um dia no qual se venceu a batalha contra a “inconveniente”. Que se conseguiu levantar da cama, tomar banho, se arrumar e ter um momento de socialização, que é, inclusive, parte do tratamento médico.
Peço sensatez aos “equilibrados”, por favor. E sorrisos sinceros também, se não for pedir muito.
Sobre o/a autor/a
Juliana Wisniewski
Juliana Wisniewski é Publicitária (UP 2004), Especialista em Comunicação Estratégica e Negócios (PUC-PR 2006), em Gestão Estratégica (UFPR 2013) e em Filosofia (Estácio 2018). Ama Labradores, Border collies, é uma cantora frustrada e, por um acaso da vida, tem depressão.