O inimigo não cessa de vencer

Longe de estar debilitado, o bolsonarismo chega às eleições deste ano forte e com chances reais de abocanhar prefeituras importantes

O dilema de quem mantém uma coluna e fica tanto tempo sem escrever – meu último texto foi publicado há pouco mais de dois meses, em 14 de junho – é que o tempo, como diria Cazuza, o tempo não para.

Por onde recomeçar? Pelos milhares de cadáveres produzidos no genocídio que o Estado de Israel, liderado pela extrema-direita, segue perpetrando contra a Palestina, sob o olhar conivente das democracias liberais? Pela ameaça, bastante real, do retorno de Trump e da extrema-direita à presidência dos Estados Unidos? Ou talvez pelo assassinato, na cidade argentina de Córdoba, de Susana Beatriz Montoya, uma das Abuelas de Plaza de Mayo, por militantes de extrema-direita que ganharam força após a eleição de Milei?

Nos limites mais domésticos tampouco há razões para comemorar. Em São Paulo, embora aparentemente sem chances de ganhar, um coach sem caráter e sem escrúpulos, Pablo Marçal, usa a disputa eleitoral na maior cidade brasileira para cacifar seu nome como uma nova liderança entre fascistas e extremistas de toda espécie. E, de quebra, atualiza em um nível ainda mais baixo e assustador, a tragédia do bolsonarismo, usando as eleições municipais como estratégia para fortalecer a extrema-direita brasileira.

E não nos enganemos: o sorriso que emoldura a face corada e bem alimentada de Eduardo Pimentel, líder nas pesquisas para a prefeitura de Curitiba, é uma tentativa de dar uma face civilizada à barbárie representada pela extrema-direita. Só existe bolsonarismo moderado na cachola de Joel Fonseca e na urgência de justificar, antecipadamente, qualquer nova aliança entre a extrema-direita e os liberais no segundo turno. A gente já conhece essa história e sabe como terminam essas “escolhas difíceis”.

Nas últimas eleições municipais, em 2020, muitos apostaram que Bolsonaro e o bolsonarismo sairiam enfraquecidos, já que muitos dos candidatos apoiados pelo ex-presidente e ainda genocida, foram derrotados nas urnas. Não que eu goste de estar sempre certo, mas nesse caso, eu estava: longe de debilitado, o bolsonarismo chega em 2024 forte e com chances reais de abocanhar prefeituras importantes, inclusive a dessa capital, que um dia já se orgulhou de sediar de uma vergonhosa e corrupta “república”.

E nem foi preciso o esforço de se reinventar: para continuar forte e eleitoralmente viável, bastou ao bolsonarismo seguir sendo o que sempre foi, porque uma parte de seu eleitorado não vota em seus candidatos apesar, mas justamente por causa do que ele representa.

Não por acaso, Pablo Marçal se tornou candidato em São Paulo depois de surfar e lucrar com as enchentes no Rio Grande do Sul, se associando a rede de propagação de mentiras sobre a tragédia no estado, repetindo o que já aconteceu com Bolsonaro em 2016, alçado à condição de “mito” após dedicar seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao torturador e assassino Brilhante Ustra.

É verdade que algumas candidaturas, como a da minha colega de Universidade, a professora Andrea Caldas, pelo PSOL, mantêm aceso o necessário “otimismo da vontade”, não nos deixando sucumbir inteiramente ao “pessimismo da inteligência”. Mas esses dois meses afastado e os primeiros movimentos de mais uma campanha eleitoral mostram, mais uma vez, que naturalizamos o fato de termos sido governados, por longos quatro anos, por um criminoso desqualificado.

Há algo de irônico, nesse sentido, que as eleições municipais desse ano servirão, talvez até mais que as de 2020, como um termômetro para medir a força da permanência do bolsonarismo e seus ímpetos autoritários – pouco importa se na versão truculenta de Pablo Marçal ou no bom mocismo de Eduardo Pimentel.A sensação é que seguimos reféns da extrema-direita e que é ela quem, ainda, pauta o que, à falta de melhor expressão, ainda chamamos de debate público. Em Israel, nos Estados Unidos, na Argentina, em São Paulo ou Curitiba, os mortos não estão seguros, porque o inimigo não cessa de vencer.

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