Shiva Baby é misto de comédia de costumes e suspense

Longa de estreia de Emma Seligman narra um dia na vida de jovem que encontra seu sugar daddy em cerimônia religiosa

Shiva Baby, longa-metragem de estreia da canadense Emma Seligman, é uma obra de um só fôlego. Fortemente condensado em 77 minutos, o filme narra um dia da vida de Danielle (Rachel Sennott) durante uma espécie de cerimônia fúnebre. O resultado é um misto de comédia e suspense bem orquestrado e executado, em que o espectador é conduzido por uma extensa crise de ansiedade.

Para os judeus, o shivá é um estágio do luto que compreende os sete dias posteriores ao enterro do ente querido. A tradição reza que a família enlutada deve passar esse período recolhida para, então, receber no sétimo dia amigos e familiares. É justamente durante esse encontro que grande parte da história se desenrola. Mas não começa ali. Horas antes vemos Danielle com o seu sugar daddy. Se você não sabe do que se trata, os daddies são homens abastados que mantém relação com mulheres a base de presentes caros. Hoje existem sites e aplicativos voltados para unir sugar daddies e sugar babies, como são conhecidas as garotas que participam desses acordos. Já no shivá, somos apresentados a grande parte dos familiares da protagonista, que a massacra com cobranças sobre carreira, estudos, peso, relacionamentos e mais uma porção de clichês desenformados por famílias de classe média judias estadunidenses. Os gatilhos já estavam todos postos frente à protagonista, quando para piorar ainda mais surge seu suggar daddy. Nenhum dos dois sabiam, mas os pais de Danielle já o conheciam. E por ele ser uma pessoa endinheirada, a mãe de Danielle faz questão de “apresentá-lo” à filha, para talvez até conseguir um emprego. Ele chega acompanhado de esposa e um bebê.

Woody Allen nos ensinou a rir das idiossincrasias das famílias de judeus americanos, o que nos deixa confortáveis com diversas características apresentadas no filme, tais como o da mãe supercontroladora. Mas o que Emma Seligman faz é um tanto diferente. Ela propõe uma comédia de costumes que adentra no suspense ou, melhor dizendo, em um tipo muito específico de terror psicológico. É uma espécie de experimento social, com personagens bem demarcados e bizarros, embora muito naturalistas. Lembra, inclusive, O Anjo Exterminador (1962), de Luis Buñuel, clássico surrealista sobre uma festa em que os convidados não conseguem ir embora. Não há qualquer barreira que os impeçam, mas eles simplesmente não conseguem deixar a mansão em que estão. Nessa alegoria, Buñuel faz um retrato da aristocracia da época. Algo semelhante acontece aqui em Shiva Baby, já que Danielle também está presa ali com os pais, familiares, seu amante e sua ex-namorada (ela é bissexual, o que também é outra fonte de ansiedade). Mas se em O Anjo Exterminador a prisão se dava de forma surreal e improvável, no longa de Seligman, o aprisionamento é cabível em sua verossimilhança. Danielle não vai embora porque não se sente no direito, porque há amarras culturais que a obrigam ficar ali, mesmo que sinta que todos estão contra ela; mesmo que sinta que seus maiores segredos estão na iminência de serem anunciados em praça pública para execração da sociedade.

Concentrado em um único dia, a diretora e roteirista recorre a um enredo de muitas falas, recurso que dá agilidade à história e que, impulsionado por uma montagem frenética, acentua a crise da protagonista e nos coloca na pele da personagem. É um bocado impressionante o domínio técnico narrativo que a diretora apresenta, sobretudo quando lembramos que se trata de um longa de estreia. O projeto vem de um curta-metragem homônimo de mesmo plot que fez bastante sucesso pelos festivais que passou. Tanto que rendeu credenciais suficientes para Seligman produzir sua versão estendida.

Shiva Baby é um filme impressionante em muitos sentidos, que traz frescor a um gênero tão pisoteado como o da comédia.

Sugar Baby – 2020, FIC, 77min, disponível no Mubi.

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