O Fio Invisível traz terror psicológico e poesia em narrativa encriptada

Da mesma diretora ganhadora do Urso de Ouro em Berlim com A Teta Assustada, longa adapta romance argentino Distância de Resgate

Um misto de drama maternal e terror psicológico dão o tom desse O Fio Invisível, filme da peruana Claudia Llosa. Extremamente lírico, o longa-metragem conta a história de Amanda (María Valverde) em férias com sua pequena filha em uma zona rual da Argentina. Lá elas têm contato com a vizinha Carola (Jolene Andersen), mãe de David (Emilio Vodanovich) e é aí que se inicia a história de terror.

Adaptado do romance Distância de Resgate, da argentina Samantha Schweblin (que também assina o roteiro), o filme carrega junto sua essência literária, com logos trechos narrados em off. Dito assim, pode até parecer preguiçoso (há poucas coisas mais enfadonhas do que adaptações de livros que, na falta de saber como fazê-lo, recheiam os filmes com vozes sussurradas em off). Não é o caso. Há uma bela engenhosidade na estrutura forjada por Llosa e Schweblin,  que apresentam uma narração dupla, uma conversa entre Amada e o pequeno David.

Nessa narração, por diversas vezes, David lembra a Amanda para que preste atenção nos detalhes. É um recado também para nós, espectadores. Com narrativa fragmentada, cabe ao espectador ir juntando os pedaços do enredo e dos três tempos que cortam a história.

E qual é a história, a verdadeira história? Ela está encriptada sob os arcos maiores do filme, como que escondida por baixo de muitas camadas. Amanda parece estar em crise no seu casamento, por isso viaja só ela e a filha; Carola, que sofre abuso do marido, agora têm medo do filho – pois vê no pequeno uma outra pessoa. Acontece que David ficou gravemente enfermo e uma espécie de curandeira dividiu sua alma em dois corpos. Dizia ela ser a única salvação possível. O que sobrou em David é o que Carola não gosta de (re)conhecer. Por outro lado, acompanhamos a super proteção que Amanda exerce sobre sua filha, pequena e frágil. Daí vem o título: o fio invisível é o que une a mãe e sua cria, um fio que não pode ser deixado longo demais, sob o risco de não dar tempo para o resgate, medo maior da maternidade.

Aos olhos de Carola, David encarna o mal, um flerte com o cinema de horror norte-americano e suas tantas crianças possuídas e endiabradas. Aos olhos de Amanda, Carola está paranoica. Aos olhos do espectador, sobra a dúvida, ao menos nos dois terços iniciais. É parte do suspense desconfiarmos daquela criança e daquela mãe. Há uma violência não explicitada que trespassa toda a fita e é por causa desse sentimento que o terror se instala aos poucos.

Não é uma tarefa fácil o que Claudia Llosa se propôs aqui. Temos uma história de terror sem sustos fáceis, imersa em poesia, atual, com toques de denúncias que chegam a comentar alguns de nossos desastres ecológicos. Um filme também sobre o patriarcado e a maternidade. Um filme de muitos pontos e gêneros, que fala sobre o que há de belo e assustador em amar e ter filhos; sobre o que há de bonito e terrível no campo; sobre o que há de frágil e violento nas relações humanas.

O Fio Invisível ainda foi escolhido pelo Chile para representá-lo junto ao Oscar na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira. Quarto longa-metragem da diretora, chama a atenção que venha tendo bom desempenho na Netflix, plataforma tão afeita a blockbusters. Podia ser mais regra que exceção.

Disponível para assinantes na Netflix.

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