Boi Neon subverte o sertão patriarcal com peão estilista

Longa-metragem de Gabriel Mascaro, com Juliano Cazarré, entra no catálogo da Netflix

Boi Neon, que teve estreia recente na Netflix, é um filme de tom muito peculiar. Dirigido pelo pernambucano Gabriel Mascaro, o longa se foca em uma pequena trupe de preparadores de bois de vaquejada. Eles transportam os animais, trabalham nos bastidores dos eventos e pouco se importam com aquele tipo de show business. O filme vai para o sertão e aborda um universo extremamente machista e patriarcal para, assim, ressignificá-lo, desconstruindo seus clichês e valores morais.

Iremar (Juliano Cazarré), um desses peões, sonha em se tornar estilista. De fato, ele desenha algumas peças de roupas e as costura, utilizando como modelo sua colega de trabalho Galega (Maeve Jinkings). Galega é a motorista do caminhão que transporta os bois. Aqui já percebemos que a desconstrução do universo das vaquejadas transborda para o microcosmo desses personagens, revelando a nós uma subversão pouco usual. E essa é a característica mais importante de Boi Neon. Por outro lado, essa subversão moral e estética que o longa propõe é, também, seu maior problema.

Mascaro, que tem uma filmografia prolífica, é um contumaz amante da imagem como elemento disruptivo. Em seus filmes há situações criadas para funcionarem, sobretudo, esteticamente. Em Ventos de Agosto, ficção de 2014, o diretor coloca corpos nus sobre carregamentos de cocos; em Divino Amor, de 2019, o homem infértil faz um tratamento para sua esterilidade com uma máquina que o põe de cabeça para baixo e nu em um ambiente de luz fortemente avermelhada; neste Boi Neon, Iremar masturba um cavalo premiado para tentar levar vantagem financeira. Esses são apenas alguns exemplos que pululam em toda a cinematografia do diretor. Não são imagens totalmente esvaziadas de sentido, como que em uma busca única por um gozo visual. Porém, são construções que, muitas vezes, ficam no limiar da gratuidade. São maneirismos de um cineasta que parece estar, a todo momento, querendo testar ou chocar (não a sua) audiência.

Mas o apelo estético de Boi Neon nem sempre é de caráter frágil. Em seu primeiro ato, vemos Iremar catando pedaços de manequins (desses que servem de modelos para lojas de departamento) que foram descartados. Parece um lamaçal, o que acaba se tornando um símbolo potente do lugar do artista e daqueles que querem subverter seu lugar no mundo. Cacá (Alyne Santana) é a pequena filha de Galega, que acompanha esses trabalhadores por querer estar próxima da mãe, muito embora seja sempre repelida. Cacá também ama cavalos, mas tem que viver seu dia a dia com bois e vacas. Cacá nos brinda com outra das cenas de maior beleza simbólica, quando ela brinca com uma miniatura de unicórnio sobre a cerca que a separa do gado. Ela não gosta só de cavalos, mas também daqueles que voam e brilham.

É sobre o lugar que queremos no mundo de que trata Boi Neon. É sobre resiliência e persistência. É sobre olhar para Iremar e não perceber nele um pobre homem incapaz de atuar naquilo que ama, mas de perceber como ele é feliz quando consegue fazer aquilo que realmente quer.

Iremar, Galega e Cacá não são vistos por Mascaro como meros objetos-personagens. Ao contrário, são personagens que foram concebidos com vontades e tensões próprias. Mas, sobretudo, com muito desejo pela vida.

O aprofundamento dos personagens talvez seja herança de um cineasta que começou sua carreira dirigindo documentários. São dele filmes como Domésticas e Um Lugar ao Sol, ambos imersões de recorte social. Domésticas retrata trabalhadoras do lar; Um Lugar ao Sol, no sentido oposto, donos de coberturas.

Boi Neon traz ainda o olhar do diretor documentarista, muito embora seja já seu segundo longa-metragem de ficção.

Boi Neon

2015, FIC, 101min. Disponível na Netflix e para aluguel e compra no Looke e na Apple iTunes.


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