Adolescentes traz retrato meticuloso de jovens francesas

Documentário foi filmado por seis anos, um monumental exercício de escuta e respeito ao outro

Impossível falar de Adolescentes, documentário dirigido pelo francês Sébastien Lifshitz, e não compará-lo com Boyhood, ficção do norte-americano Richard Linklater que foi rodado ao longo de doze anos com os mesmos atores. Adolescentes atravessa seis anos da vida de Anaïs e Emma, duas amigas de infância que passam pelo ensino médio convivendo e dividindo seus anseios e desejos típicos desse período da juventude. Assim, o filme de Lifshitz salta aos olhos como um exercício monumental do ato de filmar e documentar. Uma obra repleta de pequenos dramas e um grande e respeitoso esforço de escuta.

Documento observacional, Adolescentes resulta em um filme híbrido de imagens potentes e em um aspecto de quase ficção que põe o espectador colado nas suas personagens. Ousado em sua feitura, o longa se mostra acertado em acompanhar por tantos anos as protagonistas, resultando em uma obra de grande profundidade. Sem nunca julgar Anaïs ou Emma, o filme mergulha na complexidade do que é emergir para a vida adulta convivendo com duas meninas de diferentes classes sociais de uma pequena cidade do interior da França. Contudo, mesmo que sem julgá-las, não há muitas concessões nos retratos que são construídos ao longo dos seus 135 minutos de duração. Vemos as personagens sendo o que de fato são, jovens adolescentes, muitas vezes irascíveis, birrentas, imaturas e insuportáveis.

A montagem de Tina Baz (Democracia em Vertigem e O Céu de Suely) é um trabalho que se mostra preciso e árduo, feito a partir de 500 horas de material bruto. Acontece que em um documentário como esse, a montagem é um aspecto de grande importância, pois além de dar coesão à profusão de imagens captadas ao longo de anos, faz com que os recortes semânticos façam sentido dentro de sua macroestrutura. Sem falar que Baz é uma das grandes responsáveis por manter o interesse do espectador ao logo das mais de duas horas de exibição.

Em um documentário, é comum que roteiro e montagem se misturem em uma mescla difícil de discernir. Por isso, muitas vezes o montador é a pessoa que assina o roteiro, geralmente junto com a direção. Se foi a montagem de Tina Baz ou o roteiro de Sébastien Lifshitz que foi capaz de elencar e privilegiar os aspectos importantes de suas personagens, não sabemos. Fato é que Anaïs e Emma são retratadas em um arco preciso, da entrada na adolescência até a chegada à vida adulta.

O percurso das personagens poderia até ser banal, mas Lifshitz consegue extrair aspectos dramáticos impressionantes das suas vidas, a começar pelos embates entre mães e filhas, que estão longe de serem meros desdobramentos de uma típica juventude.

Privilegiando duas protagonistas, uma pobre (Anaïs) e outra em uma condição financeira bem mais estável (Emma), Adolescentes consegue fazer um retrato não só dessas personagens em específico, mas também de toda uma geração. Ao menos, faz um retrato de uma jovem geração francesa, às voltas com suas incertezas e medos, negando e amando seus pais, temendo o terrorismo (de certa forma o filme testemunha os atentados ao jornal Charlie Hebdo e à casa de shows Bataclan) e desconfiando da política.


Para ir além

Adolescentes – 2019, DOC, 135 min. Disponível na MUBI.

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