O centenário do movimento moderno no Brasil e seu legado dogmático na Arquitetura

O que Anita Malfatti pode nos ensinar sobre o período atual de estagnação estilística no design nacional

Em dezembro de 1917, era publicado por Monteiro Lobato, no jornal O Estado de S. Paulo, seu famigerado “Paranoia ou Mistificação?”, em que o autor fazia duras críticas (com requintes de misoginia) à chegada do movimento Moderno ao Brasil, o qual dava seus primeiros passos pelas mãos de Anita Malfatti.

O texto foi de tamanha crueldade com o trabalho de Anita, que acabou por reverberar na carreira, da então jovem pintora, por toda sua vida. O argumento de Lobato era, antes de tudo, pautado na desqualificação da produção moderna em detrimento do trabalho regrado e bem aparado de grandes mestres clássicos, que ditavam o conceito do que era a arte até então.

Apesar do peso da opinião de Lobato, até então um dos escritores mais celebrados do Brasil, Anita seguiu rompendo padrões nas artes, sendo um dos principais nomes da Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922. Enquanto isso, na arquitetura, profissionais como Niemeyer rompiam as amarras do estilo colonial predominante e dos pastiches da arquitetura francesa que eram os ideais de beleza da época.

Anita Malfatti.

O peso dos tempos normalmente acaba por nos proporcionar repetições de padrões. O “novo” nasce, sofre resistência, se estabelece, vira o velho, e o ciclo recomeça quando um novo “novo” nasce. O Brasil já passou por isso outras vezes. Saudosistas de um passado idealizado, vendo com dificuldade a quebra com padrões antigos, se colocam na posição de mantenedores do status quo e fazem o possível para frear mudanças pela sua própria incapacidade de se adaptarem.

Cem anos após seu debut, o Modernismo, que já foi o maior aliado do design e da arquitetura brasileiros, hoje é um senhor cansado. Ele segue sendo invocado e desfigurado pelo trabalho de “mestres” (olhe só) do Modernismo Brasileiro atual, mesmo que poucos deles tenham realmente vivido o período moderno de maneira plena. É possível ser saudoso por algo que não se viveu? A resposta é não.

Padrões modernos e influências Bauhausianas se tornaram o velho, nos ensinaram coisas boas, mas se estabeleceram de maneira tão plena, que se tornaram o ponto de partida para o que é considerado “uma boa arquitetura brasileira”. Eles ignoram os movimentos vindos do exterior, os novos métodos, as tectônicas inovadoras e, mais uma vez, criminalizam a ornamentação.

Quadro O Farol (1915), de Anita Malfatti.

No exterior, movimentos como o Neo Art Déco se insinuam trazendo de volta o amor instintivo do ser humano pelo ornamento. Projetos de arquitetura que se entrelaçam com o design industrial, cada vez mais integrando fabricação digital aos processos construtivos, são criados com o auxílio de algoritmos e ferramentas de parametrização. Investigações nas áreas da biônica e biofilia exploram cada vez mais o potencial da natureza em nos ensinar novos métodos de construção, mais limpos, eficientes e totalmente inseridos em uma economia global que precisa ser circular, para não colapsar. Tudo isso, acontecendo bem longe do Brasil, o país com a maior biodiversidade do mundo.

Desta forma, cabe às novas gerações de profissionais entenderem se mais uma vez vamos produzir trabalhos relevantes, que traduzam a tropicalidade brasileira utilizando o estado da arte da técnica atual. Ou, por outro lado, se vamos viver de um falso saudosismo, que no curto prazo traz reconhecimento individual aos profissionais envolvidos, mas no longo prazo mostra a face de um Brasil que perdeu a estamina.

A coluna Arquitetura e Urbanismo tem a curadoria de conteúdo do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU-PR).

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