Um princípio onde se aborda a escolha do “bem comum” (ethos) pelo chamado “construtor principal” (arkhitektôn) é um encontro mais do que necessário. Ele parte do ponto do vazio imaginário do sujeito criador, onde se valida o pensamento singular à sua obra propriamente dita.
Na criação arquitetônica e urbanística buscamos, antes de tudo, afetos. A intuição precede a representação: é um método de invenção de verdadeiros problemas, tornando prazerosa a diferença. Temos que ser levados pelos fluxos sensíveis, mais evidentes na fenda que aloja as experimentações criadoras geradas pela imaginação. Essas são condições para romper com a lógica hegemônica ditada pelas forças sociais e de mercado. Tal como um levante, isso significa uma recusa, e possibilita a materialidade da potencialização de se fazer de outro modo, seja pelo diálogo, pela co-criação, ou pela própria poética. Vale destacar que a poética é uma prática, que além de ética é estética e política, pela potência que concentra em si.
É pela filosofia que encontramos tais raízes. Ao estarmos afastados dela, desconhecemos e assim não percebemos as práticas revolucionárias voltadas à não espetacularização da vida e das cidades. Desta forma, deixamos de oportunizar a negação da mera repetição de modelos estéticos, de fora para dentro e de cima para baixo, quando os descontextualizamos da matriz cultural que nos fundamenta, pela fome e pelos sonhos.
De um modo geral, permanecemos diante dos padrões globalizados, que nada mais são do que renderizações deslumbradas de uma vida iludida. Normalmente, o círculo vicioso da máquina social nos sabota para reproduzir e para nos distanciar do campo do acontecimento, do desejo intensivo e da motivação pessoal.
Sendo assim, pela máquina busca-se o ideal (o teórico), onde o problema é imposto e repete a colonização generalizada que perpetua. A covardia, que não permite a ousadia, é o sentido desta busca. Vivemos em função dos problemas dos outros, do ideal do outro, pela incapacidade de colocar nossos próprios problemas a partir dos elementos afetivos e não teóricos.
Precisamos acontecer, derivar, fazer uso do corpo e das suas linguagens. Pela errância do desejo fundamenta-se um urbanismo experimental, não mapeado, não sentido socialmente como uma crise de valores que possibilita uma imersão em um universo de incertezas, mas também de possibilidades.
E pela alteridade, qualidade do que é outro, marca-se um urbanismo experimental e ousado, que também é empático e, portanto, ético. A nós somente interessa esta busca da restauração da cidade subjetiva.
Texto originalmente publicado na revista Pixo.
Sobre o/a autor/a
Carlos Nigro
Arquiteto e urbanista, ex-conselheiro do CAU/PR, um fotógrafo errante, professor, pesquisador e ensaísta que situa as suas imagens como um dispositivo de leitura e de apreensão da cidade, através da transcendência das relações ontológicas, sob narrativas intuídas. Autor dos livros (In)sustentabilidade Urbana (Editora InterSaberes) e da recém publicada prosa poética Pequenino Atlas do Desafino: um ensaio surreal-esquizofotoanalítico (Cais Editora).