Um escândalo político visto por lentes curitibanas

Principal roteirista da série curitibana Contracapa, que estreou na televisão nacional na semana passada, Rafael Waltrick fala ao Plural sobre o desafio de fazer tevê fora do eixo Rio-São Paulo.

Quem ligou a tevê na semana passada pode ter se deparado com algo que parece improvável: uma série de tevê feita em Curitiba. Contracapa, um suspense que trata de política e jornalismo, foi produzido inteiramente no Paraná, e acabou indo parar na TV Brasil, e se espalhando por todo o país.

Nesta entrevista, o jornalista Rafael Waltrick, principal roteirista da série, fala sobre as dificuldades de fazer tevê fora do eixo Rio-São Paulo, de escândalos políticos e do desejo de partir logo para a segunda temporada da atração.

De onde surgiu a ideia da série?
O tema da série surgiu a partir do próprio edital que foi lançado no começo de 2016. Este edital, que previa produção de conteúdo (documentários, séries, animações, etc) para ser oferecido a tevês públicas de todo o país, tinha uma linha que previa a produção de uma série de 13 episódios que falasse sobre “os bastidores da construção da notícia, sob a ótica do jornalismo investigativo”. Como sabiam que eu era jornalista mas também pensava em trabalhar com cinema e tevê, o Guto Pasko e a Andreia Kalaboa, sócios da GP7 Cinema, de Curitiba, me convidaram para pensar em uma história que se enquadrasse nessa linha.

Eu fui para o caminho da ficção, embora inspirado em situações e profissionais reais que existem em qualquer Redação, mas também sei que, na época, outros colegas roteiristas chegaram a pensar em projetos que retratassem como foi a investigação dos Diários Secretos no Paraná, por exemplo. No fim, o nosso projeto acabou sendo o escolhido.

Você é jornalista. De onde surgiu esse caminho para a ficção?
Apesar de gostar e admirar a profissão de jornalista, sempre me senti um escritor meio frustrado. Escrevi muitos contos quando mais jovem, ali pelos vinte anos (hoje tenho 33), frequentei cursos e oficinas literárias, mas não levei a sério a possibilidade de trabalhar com isso. Só alguns anos atrás, em 2014, decidi apostar em algo nessa linha ao fazer uma pós-graduação em Cinema pela FAP, em Curitiba. Lá conheci pessoas da área do audiovisual, incluindo o Guto Pasko, que é um dos diretores da série Contracapa. Visto a instabilidade da profissão de jornalista, me pareceu que era uma boa hora pra apostar de verdade em um “plano B”. No fim, só deixei o jornalismo (ao menos por enquanto) quando conseguimos aprovar e viabilizar a produção da série.

O Almodóvar diz que fazer cinema na Espanha é como querer ser toureiro na China. De onde vocês tiraram que dava para fazer uma série de tevê em Curitiba?
Foi uma aposta grande. Sabíamos que havia ótimos atores na cidade e uma equipe técnica qualificada, mas o fato é que quase ninguém ali havia trabalhado em um projeto deste porte, uma série de TV com 13 episódios de 52 minutos, o que é quase como 13 longas-metragens. Então, foi um aprendizado para todos. Pode soar piegas falar isso, mas a verdade é que a série só saiu porque todo mundo (roteiristas, elenco, equipe técnica) abraçou o projeto e se dedicou muito pra fazer isso acontecer. Como boa parte da equipe era paranaense, era quase como uma missão pessoal para nós: queríamos mostrar que, sim, dá pra fazer uma série de tevê em Curitiba, que projetos deste porte não estão restritos a São Paulo e o Rio de Janeiro. 

De onde veio o financiamento? Quanto custou tudo?
A série foi financiada por meio deste edital que comentei antes, que utiliza recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FAS). O Fundo Setorial é o mecanismo que praticamente sustenta boa parte do mercado audiovisual no Brasil, principalmente tevê e cinema. Não são recursos a fundo perdido. No nosso caso, por exemplo, o BRDE, que gere esses recursos, se torna um investidor do projeto e é remunerado futuramente, quando a série é licenciada para outros canais e plataformas. O edital em que aprovamos o projeto é público e previa R$ 3,7 milhões para a produção da série. O que dá uma média de R$ 280 mil por episódio.

Ou seja, a Contracapa é uma série de baixo orçamento, já que, em produções maiores, bancadas por emissoras mais graúdas, o orçamento pode chegar a R$ 1 milhão por episódio. Um dos nossos desafios foi conseguir aproveitar esses recursos da melhor forma possível, já que eles englobam desde a contratação dos roteiristas até o lanche servido no set de filmagem. Mesmo com baixo orçamento, não queríamos que a série parecesse de baixo orçamento. 

Foi difícil conseguir a grana necessária? O que você recomenda pra que for seguir esses passos?
Há editais sendo lançados com certa frequência e, hoje em dia, emissoras da tevê aberta e tevê paga estão sempre buscando novas propostas de séries. O que acho que muitas pessoas desconhecem é que boa parte (se não a maior parte) do trabalho do roteirista é desenvolver projetos. Pensar em novas histórias, formular tramas e universos, criar personagens que talvez nunca saiam do papel. Porque a realidade é essa: a cada dez projetos que você criar por conta, sem ser remunerado por isso, apenas um vai ser viabilizado (e essa é uma projeção otimista). 

E há também o fato de que, no mercado audiovisual, as coisas acontecem em um ritmo bem lento, até porque há que se respeitar certas burocracias, que são necessárias. Basta ver o exemplo do Contracapa. Nós inscrevemos o projeto no edital em maio de 2016. Em agosto de 2016 ele foi selecionado, mas o contrato foi assinado de fato (e os primeiros recursos, disponibilizados), apenas no início do ano seguinte. Começamos a escrever os roteiros em fevereiro de 2017, a série foi filmada entre agosto e novembro daquele ano e acabou estreando apenas agora, no início de 2019. Ou seja, é um processo longo e não dá pra confiar em um único projeto para se manter neste meio. 

A história é um thriller que tem tudo a ver com a situação política de momento do país. Até onde isso foi por querer?
Vale lembrar que a série foi idealizada ainda em 2016 e roteirizada por cinco pessoas (eu, Guto Pasko, Tiago Lipka, Marçal do Carmo e Fernando Marés) no primeiro semestre de 2017, ou seja, há algum tempo. Mas o curioso é que muito da tensão política daquele ano e a crise do mercado de comunicação continuam ecoando até hoje, com maior intensidade até – o que, se formos ver, é assustador.

Nós tomamos o cuidado de nunca citar pessoas reais, principalmente políticos, porque sabíamos que o que valia naquele momento poderia não valer mais no semestre seguinte. Citamos a Lava Jato na série, mas apenas como pano de fundo, parte da rotina dos nossos repórteres ficcionais. No fim, é provável que o conteúdo da série soe ainda mais atual hoje, em 2019, do que era em 2017. 

No primeiro episódio, por exemplo, temos uma cena em que um candidato conservador ao governo do estado critica a chamada ideologia de gênero e diz estar preocupado com as “famílias de bem”. Não foi proposital, na época, incluir esse diálogo, porque esse tipo de discussão já estava presente. Mas acho que hoje esse diálogo, que é até banal no contexto da série, assume uma nova dimensão. Há várias outras cenas e momentos na série em que essa dinâmica ocorre. 

Vocês falam em “primeira temporada”. Qual é o plano completo da série? Em que pé está a segunda temporada?
Desde o primeiro momento acreditamos que esta série pode ter vida longa. E o próprio desenrolar da trama caminha pra isso – assim como muitas outras séries, temos um “arco”, uma história principal que se fecha, mas que também abre margem para novos conflitos, histórias e situações. O formato da nossa série prevê que tenhamos sempre uma nova investigação por temporada, ligada ao ambiente político. E, como pano de fundo, seguimos acompanhando esse jornal, a Gazeta Brasileira, mostrando como ele é afetado pela crise do mercado, por decisões tomadas durante as investigações e pelas ações dos próprios jornalistas. 

Eu já formulei o projeto da segunda temporada, inclusive com sinopses de todos os episódios e um primeiro tratamento do roteiro do episódio 1 (ou 14, se formos seguir com a numeração da primeira temporada). Claro, agora depende de conseguirmos viabilizar isso, seja por meio de novos editais ou emissoras e plataformas interessadas em apostar na série. Há negociações em andamento, mas, como disse antes, essas coisas levam tempo, e é preciso considerar que só agora a primeira temporada está indo ao ar.

O que o espectador pode esperar dos próximos capítulos?
A partir dos próximos episódios, o escândalo político que surgiu no primeiro episódio toma novas dimensões e logo vai ficar claro (para os jornalistas e para os espectadores) que “o buraco é mais embaixo”, o que vai causar problemas dentro da própria Redação da Gazeta Brasileira. Além disso, já a partir do segundo episódio vamos explorar mais a fundo a crise financeira (e de identidade) do jornal e como isso afeta o trabalho de todos ali dentro. Acredito que boa parte do público vai se interessar não só pela investigação, que é a trama principal da série, mas também pelos conflitos dentro da Redação, que dizem respeito ao trabalho desses jornalistas e como eles lidam uns com os outros.

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