Cassação de Renato Freitas é um novo marco do racismo em Curitiba

Renato Freitas
Curitiba, como qualquer cidade brasileira, sofre com racismo estrutural, endêmico, cotidiano

Tem horas que é difícil ver um lado positivo das coisas. Mas não quer dizer que ele não exista. Mesmo a violência que foi a cassação do vereador Renato Freitas pode vir acompanhada de algum ganho. E isso não é excesso de otimismo.

Renato, um dos poucos vereadores pretos de Curitiba, foi perseguido de maneira tão óbvia, foi linchado de modo tão infame, que não houve como evitar a discussão que a cidade tanto evita – a discussão sobre o nosso racismo.

Na sessão de cassação, houve dois tipos de pronunciamento. De um lado, os vereadores que viam o óbvio, e diziam o que estavam vendo. Se fosse o mesmo caso com um homem branco e de olhos claros, nem processo haveria.

A Câmara enfrentou, só nos últimos anos, casos de vereadores que desviaram milhões; rachadinha; assédio sexual; denúncias de racismo; Nunca alguém foi cassado. Por acaso, todos os denunciados eram brancos, como aliás 90% dos vereadores.

A um vereador negro, bastou fazer um protesto pacífico em uma igreja. Não quebrou nada, não lesou o patrimônio, não meteu a mão em dinheiro público. Não bastasse isso, foi defendido pelo próprio padre da igreja. Mas não adiantou.

Por isso quem cassou Renato – e foram 25, todos ávidos por se livrar dele – se viu constrangido a dizer: mas, veja bem, não estou fazendo isso por racismo.

Um dos vereadores, branco, chegou a mostrar uma indignação bem ensaiada. Como assim, ousam nos chamar de racistas? Como ousam dizer que Curitiba, orgulho do Brasil cometeria o crime pérfido do racismo?

Talvez não haja aspecto mais grave no racismo do que a negação do racismo. Joga-se o problema para o canto. Tenta-se convencer que as vítimas são loucas, que quem enxerga o problema está inventando. E ainda se faz a cena do ofendido – como se a verdadeira injúria estivesse sendo cometida contra os algozes, e não contra as vítimas.

Curitiba, assim como toda cidade brasileira, sofre de racismo estrutural. Racismo endêmico. Racismo cotidiano. E não é a fala indignada de um branco de classe média alta, de um sujeito privilegiado por essa divisão, que vai mudar essa história.

O lado positivo de tudo isso é que a Câmara teve que mostrar sua cara. Para ter seu sonho dourado do branqueamento do Legislativo, topou cometer a agressão, mas no processo deixou seu lado mais vexaminoso à mostra.

Agora, pelo menos, o jogo ficou claro. Sabemos a que veio a bancada do Novo. Sabemos o jogo da bancada evangélica. Sabemos a que vieram os representantes do lavajatismo e da nova política. Todo mundo viu. E a negação constante, constrangida, falsamente indignada, não há de enganar por muito mais tempo.

Na falsa capital europeia, mais um negro teve seus direitos cassados. E com ele, seus mais de 5 mil eleitores se veem sem voz. Mas, como disse Martin Luther King, um negro assassinado por combater o racismo, embora seja longo, o arco do universo moral tende à justiça.

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