O que Drauzio tem a ensinar a nossos políticos

Médico comoveu o país numa semana em que política só nos decepcionou

Nesta semana, o prefeito do Rio acusou gente pobre de morar em áreas de alagamento para pagar menos por seu cocô; o governador de São Paulo usou bombas de gás e tiros de borracha contra manifestantes que não queriam perder direitos; e o presidente da República voltou a medir negros em arrobas.

Enquanto vivemos um monte de dramas no país e as pessoas xingam – com razão – vários de nossos governantes, um único homem fez o país se sentir humano. O médico Drauzio Varella comoveu milhões de brasileiros ao abordar o drama das mulheres trans encarceradas.

Claro que ninguém é unanimidade. Muita gente certamente achou que ele estava errado por dar voz a presidiários e (ainda mais!) transexuais – pois essa é a nossa direita. Pela esquerda, houve quem achasse que ele dourou a pílula. Muito bem: um país vivo tem mesmo que debater, embora os termos em que a discussão se dá às vezes cansem até o mais paciente zen-budista.

Mas o ponto aqui é outro. Drauzio, um senhor de fala mansa que dificilmente se mete em algo que não seja de sua área de atuação, ao longo do tempo foi conquistando as pessoas.

Começou contando histórias de cadeia; falou sobre a morte; insiste sempre na prevenção de doenças; em raras falas mais incisivas, disse por exemplo para quem se incomoda com o vizinho gay ir procurar um psiquiatra. Mas até nesse caso soou gentil. Disse que a pessoa que se preocupa com isso não está bem, precisa de ajuda.

O ponto é: de repente as pessoas começaram, nesta semana, a dizer que Drauzio é o melhor homem do país. E começaram a dizer que ele deveria ser o presidente da República. Gente séria, que estava falando sério.

O que isso nos diz sobre a nossa política?

A resposta parece simples. Nossos representantes estão tão engalfinhados na disputa pelo poder, tão presos a um debate insano e autofágico, tão fechados em um mundo onde o grande sucesso de alguém é medido pela denúncia que ele pode fazer de seu oponente, que não há mais espaço para a humanidade.

Ou melhor: dificilmente alguém vê aquelas pessoas como humanos.

Não estou nem falando de Geraldo Alckmin, o sujeito mais sem sal que já viveu sobre esta terra. Mas pense nos outros políticos que foram candidatos a presidente.

Quando você viu Alvaro Dias, Henrique Meirelles ou Ciro Gomes fazerem alguma coisa simpática. Fernando Haddad ainda toca seu violãozinho, e talvez seja sugestivo que um raro momento em que um político foi elogiado por esses tempos tenha sido a sua foto coberto de glíter no carnaval.

Não há humanos na política brasileira de primeiro escalão. Há caçadores de esquerdistas, há caçadores de bolsonaristas. Mas ninguém que você olhe e diga: com esse cara eu comia um churrasco.

Quem queria ser convidado para a festa de aniversário de José Serra? Quem topa um picolé com João Dória? Imagine o tédio de ir ao cinema com Ronaldo Caiado, ouvir o Rodrigo Maia contando uma história…

(Convenhamos, Lula foi o único líder recente com esse traquejo. Ninguém mais contaria uma história sobre um frango assado guardado no cofre do Waldorf Astoria, porque seus assessores acharam que era um micro-ondas. E isso num depoimento durante condução coercitiva…)

Pense em Barack Obama. Você vive vendo o sujeito comendo asinha de frango, brincando de ficar preso na teia do Homem-Aranha (uma criança que estava no Salão Oval), ensinando Greta Thurnberg a fazer um cumprimento tipicamente americano.

Oct. 26, 2012 “The President to be caught in Spider-Man’s web as he greets the Nicholas Tamarin, 3, just outside the Oval Office. Spider-Man had been trick-or-treating for an early Halloween with his father, White House aide Nate Tamarin in the Eisenhower Executive Office Building. I can never commit to calling any picture my favorite, but the President told me that this was HIS favorite picture of the year when he saw it hanging in the West Wing a couple of weeks later.” (Official White House Photo by Pete Souza) This official White House photograph is being made available only for publication by news organizations and/or for personal use printing by the subject(s) of the photograph. The photograph may not be manipulated in any way and may not be used in commercial or political materials, advertisements, emails, products, promotions that in any way suggests approval or endorsement of the President, the First Family, or the White House.

Eu queria bater um papo com Obama. Eu topava um sorvete com o Drauzio Varella.

Não acho que ele seja talhado para presidente, porque além de ser boa praça é preciso mil outros pré-requisitos. Mas seria bom que o pessoal da Praça dos Três Poderes desse uma afrouxada na gravata, parasse de falar tanto em números e pensasse em ser gente.

Se bem que o principal disso não se pode aprender. É preciso GOSTAR de gente. Porque esse é o verdadeiro ponto. Drauzio emociona porque ele GOSTA das pessoas com que fala. E as pessoas sabem quando isso não é falso.

E, sinceramente, qual político de primeiro escalão no Brasil hoje parece gostar de gente?

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