Homofobia e racismo são sim dois lados da mesma moeda

Não podemos deixar que se faça com os gays de hoje o que deixamos fazer com os negros por tanto tempo

Para qualquer pessoa que viva nas mesmas condições que nós, parece absurdo que alguém tenha defendido (em qualquer tempo, em qualquer lugar) a escravidão. E, no entanto, de Aristóteles a Locke, muitas das melhores cabeças do mundo defenderem esse crime, que para nós é evidente.

Há coisas que nossos netos acharão igualmente difícil de compreender sobre o nosso mundo de hoje. Como é necessário que o Supremo Tribunal de um país precise parar tudo e decidir como devemos tratar a discriminação contra alguém por causa de sua orientação sexual? Será ou não um crime comparável ao racismo?

Para muita gente, mesmo de boa fé, o assunto parece “polêmico”. Mesmo entre os que defendem que, sim, a homofobia deveria ser considerada crime, fazem-se concessões. Não se poderia, por exemplo, exigir que os sacerdotes de certas religiões parem de dizer que os gays irão todos queimar no inferno.

Imagine-se a discussão no século dezoito: poderíamos ou não determinar que os padres, pastores e demais líderes religiosos estavam impedidos de chamar os negros de seres inferiores? Que, independente da liberdade religiosa, há aspectos do humano que são dignos de respeito sempre e em qualquer situação?

Esqueçamos a “polêmica” religiosa. Que se discuta o essencial, se a homofobia é ou não equivalente ao racismo. E aqui a pergunta essencial parece ser se a homossexualidade é algo inerente à pessoa. Se é uma “escolha” ou se é algo essencial a ela.

Uma religião é uma escolha. Casos de conversão são comuns. É muito mais estranha, no entanto, a ideia de que alguém acorde um dia e pense: “Muito bem, a partir de agora, vou me sentir atraído por homens”.

Ninguém “vira” gay, lésbica. Não é o Facebook que faz alguém ter vontade de transar com alguém do mesmo sexo. Não é o “contágio social” (acredite, usa-se essa expressão, como se estivéssemos falando de doença) que leva alguém a ter desejos diferentes dos que tinha minutos antes.

Você é gay, não vira gay.

Ou você é lésbica ou não é.

O que acontece é que as pessoas, às vezes, descobrem o que são.

Há teorias religiosas que dizem que o homossexual não deve ser punido só por seu desejo; desde que não dê vazão a ele, tudo bem. Como religião, é uma coisa. Como direito, como lei, isso seria um desastre.

Querer que os gays simplesmente não exerçam sua sexualidade é uma violência legal. Tirar-lhes o desejo do casamento é negar aquilo que todos os outros têm. Impedir a adoção seria impedir que alguém seja pai – e difícil imaginar algo mais grave.

Há quem queira tratar os gays do século 21 como se tratavam os negros do século 18. Como seres que, infelizes de nós, temos que admitir que são inferiores. Têm um defeito: a cor da pele, num caso; o desejo, no outro.

E essa inferioridade não deve ser contestada. Pelo contrário: quem tratasse os negros como escravos tinha o respaldo da lei. Quem hoje trata os gays como gente de segunda, pode escapar tranquilamente da punição porque, afinal, não há lei que os proteja.

Há matizes jurídicas, meramente legais no caso que o STF está julgando. Moralmente, porém, quem se opõe à criminalização da homofobia está do lado errado da linha que divide o mundo do amor do mundo do ódio; está trocando a chance de um mundo de solidariedade pelo desprezo ao outro, ao diferente.

Já era tempo de termos superado isso.

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