Curso de formação política para mulheres tem 1,6 mil inscrições

Curso de formação política para mulheres tem 1,6 mil inscrições e mostra que a ideia de falta de interesse do eleitorado feminino por política é um mito.

A política brasileira tem vários problemas de representatividade. O país tem uma tremenda diversidade étnica, mas os postos de comando são quase sem exceção ocupados por brancos. Os brasileiros em sua maioria são empregados – mas a proporção de empresários no Congresso é gigantesca. No entanto, nenhuma desproporção é maior do que a existente entre homens e mulheres.

As mulheres são um pouco mais de metade do eleitorado. No entanto, só uma vez chegaram à Presidência, dificilmente governam estados e capitais, e ocupam em geral perto de 10% das cadeiras dos Legislativos. Um mito atribui isso à falta de interesse delas. Mas evidente que não pode ser isso.

Para tentar reduzir a desigualdade, o Instituto Política Por.De.Para Mulheres vem oferecendo há três anos um curso de formação para mulheres interessadas em participar do processo eleitoral e da política institucional. E os números são impressionantes.

Para o curso de verão, que começa no mês que vem, foram nada menos de 1,6 mil inscrições. Isso porque há apenas 40 vagas. Ou seja: cada vaga tinha 40 interessadas. A turma terá nove módulos: História da Política Brasileira, Educação Política, Democracia e Direito Parlamentar, Direitos das Mulheres, Liderança Feminina, Feminismo, Gênero e Políticas Públicas, Comunicação e Redes Sociais, Corrupção e Política, e Participação Social.

Na entrevista abaixo, uma das coordenadoras do curso, Eneida Desiree Salgado, fala sobre o tema:

É impressionante a quantidade de interessadas no curso. Isso mostra um despertar da mulher para a política no Brasil?
Na verdade sempre houve interesse da mulher na política. A existência de lideranças em organizações de bairros, associações de moradores, em algumas entidades sindicais mostra que o interesse sempre esteve lá. O que o instituto faz, o que o curso se propõe é abrir um espaço para um aprimoramento das compreensões sobre a política, da ideia de democracia como participação e controle. Um conhecimento maior das estruturas de poder, das formas de controle desses cidadãos. O que o instituto pretende é abrir um canal para que as mulheres se sintam mais à vontade para atuar da política institucional, além da política cotidiana, onde elas sempre foram muito presentes.

Já é possível ver resultados práticos de participação das alunas na política?
Algumas das mulheres que fizeram os dois primeiros cursos participaram das eleições. E no entanto continuaram encontrando os gargalos comuns, os filtros, principalmente dentro dos partidos. Temos num caso concreto uma aluna que está compondo o governo numa diretoria  de uma secretaria. Então já vemos como essas mulheres estão se organizando. Também vemos que as mulheres saem do curso com outras propostas para o incremento da participação das mulheres na política e também em outros espaços da vida.

Por que as mulheres têm em geral 10% do parlamento se são 50% da população?
A política de cotas existente desde 1995 foi meio que pensada para não passar disso. Porque quando vem a primeira proposta de 20% para mulheres o que se faz é apresentar o número de candidaturas de 100% para 120%. Quando esse número vai para 30%, as candidaturas sobem para 150%. Então não houve uma aposta genuína no aumento de mulheres no parlamento em função das cotas.

O que se via é que as mulheres ficavam com cerca de 10% do fundo partidário e das doações e também do tempo de tevê. Então aí você tem os teus 10%. Então o que houve foi uma aposta em 10%.

Há uma proposta de acabar com as cotas de candidatura e ter coitas de representação. Ou seja, haveria reserva de vagas no parlamento para mulheres, e não a reserva de candidaturas. Algumas PECs apresentam 10% ou 20%. A gente pensa que 50% está bom, já que somos um pouco mais da metade do eleitorado e quase metade das filiações partidárias.

As novas regras de cotas de financiamento foram positivas?
O que houve nessa última eleição foi um desenvolvimento jurisprudencial da exigência de 30% para abarcar também os recursos do fundo de campanha. Não mudou muito. A gente não sabe exatamente qual foi a efetividade dessa nova diretriz. Algumas ações judiciais verificam hoje se os partidos cumpriram isso. Nós vimos que houve um pequeno incremento no número de mulheres, principalmente na bancada paranaense, mas ainda está muito aquém da possibilidade de representação das mulheres.

Há muitas mulheres eleitas que não necessariamente se veem como representantes de causas femininas ou feministas. A eleição delas é um avanço para a causa das mulheres mesmo assim?
Há uma grande discussão sobre se adianta simplesmente ter mulher no parlamento. E aí a gente parte de uma premissa que existem duas formas de representação e representatividade. Uma é ter demandas femininas dentro do parlamento, o que é bastante interessante, e às vezes homens fazem isso muito enfaticamente, como por exemplo era o caso do deputado Jean Wyllys. Isso é um papel, uma possibilidade.

Eu mesma orientei uma pesquisa nesse sentido para ver se as mulheres eleitas aqui na Câmara municipal aqui de Curitiba tinham essas demandas femininas como base de seu discurso e de sua ação parlamentar e a gente viu que muitas delas, não.

No entanto tem uma outra dimensão de representação e representatividade. O simples fato de haver mulheres em espaços de poder representa que ocupar lugares de poder passa a fazer parte do horizonte de possibilidades de qualquer mulher.

Então claro que preferíamos mulheres que defendessem pautas ligadas à questão feminina, há tanto tempo negligenciadas por um parlamento nada plural. No entanto, ainda que não haja essa garantia, é melhor que haja mulheres no parlamento.

Qual é o sonho de vocês com esse curso?
O meu sonho é que o grupo e o curso sejam absolutamente desnecessário daqui a muito pouco tempo. Ou seja, que todas as barreiras sociais, culturais, políticas, partidárias sejam superadas e que não faça sentido continuar oferecendo um curso de formação política para mulheres nem a existência de um instituto chamado Política Por.De.Para Mulheres

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