Carta aberta a Rafael Greca: não deixe as pessoas morrerem, prefeito

Se o senhor insistir na política atual, milhares de pessoas morrerão como moscas em sua cidade

Caro prefeito,

O senhor não fala comigo há quatro anos, desde a eleição de 2016. Na época, o senhor ficou irritado com nossa cobertura e respondeu com aquela famosa cena, cantando a música da Chapeuzinho Vermelho ao vivo. Imagino que a ideia fosse me constranger, mas como dá para ver no vídeo, embora a ideia tenha sido um despropósito, eu até achei divertido.

Deus e seus secretários de comunicação sabem quantas vezes pedi entrevistas desde então, mas o senhor, claro, prefere entrevistas mais amenas. Mas vamos deixar essa conversa para outra hora; quem sabe para quando o senhor sair do mandato e o ambiente inebriante do poder tenha ficado mais uma vez para trás.

O ponto agora é outro. Mas como não tenho como falar pessoalmente, apelo a esse antigo instrumento da carta aberta. E faço isso para implorar que o senhor ouça não a mim, mas aos números que tem à disposição. E que, agindo racionalmente, ainda mais agora que a campanha passou e que o senhor está reeleito, faça o que é necessário.

O senhor conhece os números e os fatos. É inteligente e bem informado – esse nunca foi o seu problema. Mas vamos a eles (até porque há mais gente nos lendo):

  • Nunca houve tanta gente contaminada por Covid na sua amada Curitiba. São mais de 13 mil pessoas que estão transmitindo a doença nesta quinta-feira. Isso sem contar os assintomáticos que devem estar participando de suas festas natalinas e espalhando ainda mais o vírus
  • A ocupação dos leitos já chegou a 100% em muitos hospitais. No geral, já passou de 93%. O senhor sabe o que isso significa: daqui a pouco vai ter gente que precisa de máquinas para respirar e vai ficar sem atendimento. Vai ter gente morrendo sem ser atendida, prefeito.
  • O R0, que indica quantas pessoas cada doente contamina, está em 1,28, ou seja, a cada dia temos mais doentes, e não menos. E agora vem época de festas, aglomerações. Só imagine o que vem pela frente.
  • Só hoje, prefeito, só hoje morreram mais 18 pessoas.

O senhor e sua secretária de Saúde têm pedido que as pessoas sejam razoáveis. Deixa eu contar um segredo: não está funcionando. O senhor pode passar de carro ou pedir que filmem os lugares de sempre e verá o Largo da Ordem ou o Hauer Shopping lotados de gente sem máscara.

Seria ótimo se as pessoas colaborassem, mas elas não colaboram. Eu estou há oito meses com a minha mulher e meus filhos em casa. Mas há quem não esteja nem aí. E quando as pessoas não colaboram, cabe às autoridades agir.

Por mais de uma vez o senhor burlou as regras do jogo fingindo que não era necessário passar para a bandeira laranja. Dados foram forjados, leitos criados em cima da hora. Mas, prefeito, olhe à volta: não dá mais.

Se o senhor nesta sexta se negar a ver o óbvio, haverá milhares de pessoas morrendo na sua cidade, agora e nas semanas seguintes, num processo que o senhor – e só o senhor – tem como impedir.

Sei que é triste fazer isso no Natal. Sei o quanto o senhor gosta da imagem da cidade feliz. Mas não é felicidade ver milhares de pessoas descendo ao túmulo, prefeito – nem é felicidade ver alguém agonizando sem ter acesso a respiração artificial.

Numa declaração infeliz, o senhor disse recentemente que os mortos da Covid em Curitiba eram gratos ao senhor porque nada lhes havia faltado. Tendo boa vontade é possível entender o que senhor quis dizer: não faltaram leitos, médicos, enfermeiras, máquinas.

Isso não será mais verdade, prefeito.

Se o senhor continuar dando ouvido aos donos do transporte, as pessoas morrerão.

Se o senhor insistir em deixar abertos os shoppings, as pessoas morrerão.

Se o senhor persistir na ideia insana de abrir escolas para menores de dez anos, as pessoas morrerão.

Se o senhor burlar mais uma vez os números e não fechar o que tem de ser fechado, as pessoas morrerão.

O senhor esteve doente. Sua esposa também. Houve atendimento e ambos estão aí, prontos para a posse. O mínimo que o senhor pode fazer para retribuir os 500 mil votos que teve é não deixar que seus concidadãos morram como moscas à sua volta sem os mesmos privilégios que teve.

Feche a cidade, prefeito. Ainda é tempo de salvar vidas. Ainda é tempo de salvar sua reputação.

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