A falta de um plano nacional de vacinação

O Brasil, mesmo sendo o maior produtor latino-americano de vacinas, é um gigante apequenado

O protagonismo assumido pelos governadores e pelo STF na gestão do programa de vacinação contra a Covid-19 escandaliza a incompetência do Executivo federal, o qual reduz – nas palavras do próprio ministro da Saúde, Eduardo Pazuello –, à mera ansiedade e irrelevante angústia os anseios por um programa de vacinação amplo e efetivo.

O STF, preliminarmente inclinado à aceitação das medidas de obrigatoriedade da vacinação contra o Covid-19, se ocupa de postular o óbvio – a supremacia do interesse público e das garantias da coletividade –, silenciando os lunáticos e bolsonaristas. Os governadores, não sendo a instância do Executivo competente para liderar programas nacionais, se esforçam para garantir ao menos aos seus estados programas de vacinação, compensando o marasmo de Bolsonaro e a inércia de Pazuello.

Eduardo Pazuello, ministro da Saúde. Crédito da fotos José Dias/PR.

São mais de 180 vacinas em alguma fase de estudo e desenvolvimento pelo mundo, com toda sorte de tecnologia envolvida. Nunca houve na história esforço de complexidade e natureza semelhantes ao combate de uma mesma doença. O Brasil, mesmo sendo o maior produtor latino-americano de vacinas, é um gigante apequenado, uma potência sufocada pelo descaso de um presidente que reduz à “uma simples gripinha” a doença responsável pela morte de mais de 180 mil brasileiros.

“Um país de maricas”, “superdimensionado”, “vamos todos morrer um dia” são os debochados termos do presidente à uma população que tenta sobreviver à ingerência de Bolsonaro em meio à Covid-19. A história marcará os nomes daqueles que – em flagrante omissão de seus deveres – desdenharam da morte de milhares.

Poliomielite, rubéola e sarampo são exemplos de vírus de circulação eliminada em virtude do comprometimento de lideranças governamentais – de todo espectro político, não sendo uma agenda exclusiva da esquerda ou da direita – em benefício da população. A campanha contra gripe do não distante ano de 2008, por exemplo, contou com o então presidente Lula sendo vacinado pessoalmente por José Serra, na oportunidade governador de São Paulo e um de seus maiores adversários políticos, simbolizando a convergência de esforços em nome de benefício coletivo.

O então presidente Lula é vacinado pelo ex-governador de São Paulo José Serra. Crédito da foto: EBC.

Ao pronunciar que “vacinas só são obrigatórias no cachorro faísca” Bolsonaro reduz os esforços multipartidários prévios a um mero lapso civilizatório na história brasileira, fazendo coro à imbecilizante onda negacionista e obscurantista. Ocultar dados epidemiológicos, comemorar reveses na liberação pela Anvisa de vacinas, promover aglomerações, sonegar informações sobre um plano nacional de imunização e insultar críticos são exemplos dos tantos crimes comuns e de responsabilidade que soma.

A sinalização do governo pela aquisição de 70 milhões de doses para 2021 da vacina da Pfizer/Biontech é um verdadeiro descalabro para a única área que Pazuello alega ter de conhecimento: a logística. Estranho à saúde e sem nenhuma experiência na área, o apontamento da autointitulada autoridade de logística da compra do referido imunizante que necessita ser armazenado entre -70ºC e -80ºC, ao passo que não dispomos sequer de seringa e algodão suficientes do Oiapoque ao Chuí, tampouco temos freezers com tamanha potência, muito menos a segurança necessária para evitar a perda de doses por quedas de energia, será um desafio a parte.

As diferenças entre as vacinas

Acordo com a Rússia poderia fazer o Paraná produzir o imunizante. Crédito da foto: Sputnik vaccine/ divulgação.

O grande volume de notícias sobre as múltiplas vacinas contra a Covid-19 pode dar a entender, de forma equivocada, inexistente semelhança entre os candidatos a imunizantes. De forma simplificada, são cinco mecanismos distintos de funcionamento das vacinas, quais sejam;

  • Vírus inativados – são baseadas na estrutura do vírus sem atividade biológica, mas que mantém os antígenos, isto é, os gatilhos necessários para geração de anticorpos contra doença. São exemplos desta classe a Sinovac – no Brasil, em parceria com o Butantã –, a Sinopharm e a Bharat Biotech.
  • Vírus atenuados – são compostas pelo vírus com eventual atividade biológica, isto é, mais fortemente associadas com o eventual efetivo desenvolvimento da doença que quer evitar. Atualmente todas as pesquisas desta família estão insipientes e não há nenhuma grande promissora representante.
  • Proteína recombinante – são fundamentadas na reprodução de porções da estrutura viral (a proteína recombinante propriamente dita) que são identificadas pelo sistema imune para geração de anticorpos. São exemplos desta classe a Novavax.
  • Vetores virais – são carcaças de outros vírus nas quais são adicionadas porções da estrutura do coronavírus, tal como se fantasiasse um vírus brando com os antígenos do coronavírus, conferindo imunogenicidade. São exemplos a AstraZeneca (vacina de Oxford), a vacina da Johnson & Johnson, a Sputinik V e a Cansino.
  • Engenharia genética – são subprodutos da modulação de porções do material genético (normalmente RNA mensageiros). De longe as que temos menos experiência, informação e conhecimento, dada a ausência de grandes planos de vacinação prévios baseados neste tipo de imunizante. São exemplos a Moderna e Pfizer/Biontech.

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