Os desafios dos museus de Curitiba na pandemia de Covid-19

Da noite para o dia, museus e outras instituições culturais tiveram de fechar suas portas e buscar uma nova comunicação com o público

Dos vírus que assolam a cultura, o que está mais explícito hoje é o Covid-19. Mas há outros que são anteriores a ele, e que estão por aí há mais tempo: a intolerância, o autoritarismo e o conservadorismo. Foi neste contexto de desestruturação da cultura que a pandemia chegou ao Brasil. Da noite para o dia, museus e outras instituições culturais tiveram de fechar suas portas e buscar uma nova comunicação com o público.

A pesquisa feita pelo Observatório Ibero-Americano de Museus sobre o impacto da pandemia de Covid-19 nas instituições culturais (2020) mostrou que 60% das instituições tiveram de demitir parte de seus funcionários, enquanto mais de 70% ajustaram total ou parcialmente as atividades de sua equipe. Além disso, somente 11% declararam ter como atividade regular as visitas virtuais, enquanto 73% disseram ter reajustado suas atividades presenciais devido às restrições impostas pelo isolamento social. Por conta dessa crise sanitária, as tecnologias digitais ganharam destaque no meio cultural e têm criado novas formas de comportamento na sociedade.

A pandemia permitiu criar novas relações e possibilidades de acesso à arte, aproximando os artistas e o público. A arte ganhou outras formas de fruição, sem deixar de lado a dimensão do real – através das janelas, surgiram novas formas de ativismo e performances coletivas, como projeções em empenas cegas e fachadas. Nesse contexto, as instituições de arte precisaram se adaptar para permitir o diálogo direto com seu público. Tais adaptações possibilitaram, mesmo que remotamente, o acesso às produções de artistas, coleções e acervos do mundo.

Em Curitiba não foi diferente. O lockdown impediu as visitas presenciais durante um longo período e muitos museus ficaram de portas fechadas. Esta coluna entrevistou quatro diretores de instituições locais para compreender, por meio de seus depoimentos, como as restrições impostas pela pandemia afetaram o funcionamento dos museus e, principalmente, quais as alternativas adotadas para manter o vínculo com o público.

Ana Rocha, diretora do MAC-PR, comentou que o mais impressionante foi “perceber, logo que a gente entrou em pandemia, que realmente não tínhamos uma presença na internet. A gente usava as nossas redes sociais e o nosso site, que são os principais braços do museu na internet, como espaços estáticos, como folders”. A solução veio a partir de trocas de informações com outras instituições, entendendo o que seria possível fazer nas redes sociais com as condições e estruturas que o MAC-PR já possuía. Passaram, então, a pensar “as redes sociais, a internet, o site como um outro espaço expositivo, como um braço de fato e não como um folder que não faz parte do corpo todo que é um museu. Pensar esse espaço virtual como uma outra sala expositiva, como outro espaço de ação e atuação”.

Com essa presença mais ativa nas redes sociais, o MAC-PR conseguiu alcançar um público diferente. A diretora afirmou que “hoje a gente tem ali um número de seguidores razoável. E a gente percebe pelos números, pelo tipo de pessoa que acessa as redes sociais, que conseguimos furar um pouco a bolha da arte contemporânea”.

O MAC-PR focou, durante o ano de 2020, numa programação online com o objetivo de que as pessoas pudessem ter um vínculo com o museu mesmo dentro de casa. Algumas das ações, como o MAC DE CASA, surgiram na pandemia e seguirão perenes. “Toda semana o público pode conhecer uma obra do Acervo do Mac. E como nós temos mais de 1.830 obras, tem bastante coisa para apresentar para o público”, afirmou Ana Rocha. Também ações que já existiam, como o DO IT HOME, projeto que acontece desde 1993 com curadoria de Hans Ulrich Obrist, foram adaptadas para o formato digital.

A diretora afirmou que muitas estratégias desenvolvidas durante o período possivelmente seguirão, mesmo com a retomada das exposições físicas. Tanto o site quanto as redes sociais tendem a ser espaços mais dinâmicos, a fim de compartilhar informações sobre o acervo artístico, documental e organizar ações exclusivas para as redes. Contudo, ela ressalta que “a experiência presencial é insubstituível. Eu espero o museu cheio, aberturas, exposições e encontrar as pessoas o quanto antes. E tem que ficar muito claro que nada disso, nenhuma dessas atividades [virtuais] substitui a experiência presencial com as obras”.

Por fim, um ponto a se destacar é o papel das instituições culturais no pós-pandemia. Para Ana Rocha, “foi uma dificuldade nacional de entender que a cultura é parte desse recomeço, é parte dessa retomada, inclusive econômica. […] Nós estamos agora trabalhando, levantando números e organizando as informações para que os governos entendam a importância da nossa participação, da participação da cultura, da indústria criativa nessa retomada econômica – retomada da vida, mesmo”.

Luiz Vidal, diretor do Museu Casa Alfredo Andersen e do Centro Juvenil de Artes Plásticas, afirmou que, assim como todos os demais, eles também sofreram com a pandemia. “E de uma hora para outra veio a pandemia. As portas fechadas, os negócios fechados. Então, […] a gente começou as reinvenções”, afirmou Vidal.

Museu Alfredo Andersen. Foto: Kraw Penas.

É importante destacar que faz parte do Museu a Academia Alfredo Andersen, que conta com cursos de arte para a comunidade, e tinha, antes da pandemia, 32 cursos e 530 alunos. Por outro lado, o Centro Juvenil é um Centro Cultural voltado ao público infanto-juvenil, que contava com atividades presenciais, totalizando 350 crianças e 12 professores.

Segundo Vidal, as soluções foram diferentes para cada um dos museus. “No Centro Juvenil foi um pouco mais tranquilo. No primeiro semestre da pandemia começamos a trabalhar as aulas online. […] A gente começou a fazer algumas adaptações com tarefas que eram mandadas pelo WhatsApp, algumas participações por meio de vídeo. Depois começamos a criar algumas regras e as regras começaram a evoluir, e este trabalho online também começou a evoluir. Desta forma, a gente foi vendo até onde conseguíamos navegar”.

A partir desta experiência com os alunos do Centro Juvenil, e com as adaptações feitas ao longo do processo, eles decidiram expandir o raio de alcance dos cursos sobre história da arte do Paraná para professores do interior do estado. Segundo Vidal, “a gente procurou estudar esta questão da arte e levar para o interior. Esse é um trabalho que nós estamos fazendo que foi muito legal e que não seria feito, talvez, se a gente tivesse lá no presencial ainda engessado. Esse foi um ponto muito positivo”.

O Museu Casa Alfredo Andersen seguiu um processo diferente. De acordo com o diretor, “agora já está aberto o Museu-Casa, mas a parte dos cursos não começou ainda. […] Na história da arte você consegue dar uma aula, mas até onde? A gente já está saturado de reuniões, de aula online. E não tem como fazer uma aula de pintura online, cerâmica online”.

É importante ressaltar que, apesar de ter se mantido com as portas fechadas ao público, o museu não parou. A área de conservação das obras e documentação, bem como o setor de pesquisa, seguiu acontecendo nos bastidores. “Não deixamos de dar aquele zelo para as obras de arte, porque, com o museu fechado, as obras podem sofrer um processo químico de bolor. É preciso recolher e acondicionar. Teve todo esse trabalho e a gente teve todo esse carinho”, disse Vidal.

Com a gradual retomada das atividades presenciais, a percepção do diretor é que o híbrido veio para ficar. Especialmente o trabalho de ir além da fronteira geográfica de Curitiba, com as aulas online e o contato com professores do interior do Estado. Nas palavras de Vidal, “nem totalmente presencial e nem totalmente online,  mas o híbrido vai acontecer até para que a gente possa alcançar além da fronteira, ou seja, de buscar pessoas de outras cidades”.

Já o Museu Municipal de Arte de Curitiba (MUMA) ficou fechado por quase um ano. De acordo com Rodrigo Ferreira Marques, diretor do MUMA, depois da reabertura gradual, o fluxo diminuiu para aproximadamente 30% da visitação que tinham antes da pandemia. Algumas exposições, como O Sentido do Olhar, de Estela Sandrini, tiveram de ser adaptadas para atender às demandas sanitárias.

Museu Municipal de Arte (MUMA). Foto: divulgação.

O MUMA, por fazer parte da rede da Fundação Cultural de Curitiba, não tem um contato direto com o público por meio das mídias sociais. As ações para aproximar o público das exposições se deram por meio de visitas online, organizadas e pensadas já na elaboração das mostras. Segundo Marques, “foi muito interessante os artistas terem a percepção de lidar com a internet. É uma coisa que cada vez mais vai ser necessária”.

Outra alternativa foi a construção de um sistema online para acesso ao acervo. Esta é uma iniciativa que já vinha acontecendo antes da pandemia, mas, com o isolamento social, tomou outra dimensão. Além disso, Marques considera que criar um link com as pessoas pela internet “é muito importante, independente da visitação, porque você pode aprofundar mais a questão da obra, pode misturar mais com outras obras presentes na exposição, dá uma fortalecida na arte do Paraná, o que é muito necessário para a população saber o que é a arte paranaense, algo que é muito fechado e precisa abrir”.

Juliana Rocha Podolan Martins, diretora do Museu de Arte Indígena, afirmou que o MAI ficou quase um ano fechado. Logo no início da pandemia, o museu começou a buscar opções para que o público pudesse visitá-lo virtualmente. Começaram a fazer visitas online, “no primeiro momento foi uma gravação bem amadora de celular para sentir se quem estava na outra ponta conseguia perceber os impactos dessa visita. Depois, vimos que deu certo, aí fizemos um material profissional”, disse a diretora.

Museu de Arte Indígena. Foto: divulgação.

Estas visitas alcançaram um público para além do local e permitiram expandir o alcance do museu. Contudo, a diretora reiterou que nenhuma visita virtual se aproxima da experiência física, “pelo fato do próprio espaço, o cheiro do espaço, a percepção de estar no espaço. Mas, é uma possibilidade que nos restou e que até nos salvou durante a pandemia, afinal, todo mundo que gosta de arte conseguiu fazer isso virtualmente em muitos lugares no mundo”. Hoje, há duas maneiras de visitar virtualmente o MAI – por meio do Tour virtual ou marcando uma visita guiada com mediação.

O conteúdo das visitas é adaptado para atender a diversas faixas etárias, sendo que o museu sempre teve um contato bastante próximo com as escolas a nível municipal. Outras escolas, de diferentes locais do país, fizeram contato por meio das redes sociais do museu durante a pandemia e o resultado foi inesperado: “A visita guiada virtual teve muito mais atenção das crianças do que quando elas estavam nas presenciais. […] não sei se é o tempo de isolamento que ficaram em casa e aquela hora era uma hora diferente. Porém, elas tinham um foco e uma atenção muito maior que o presencial”, afirmou a diretora.

Com a retomada das atividades presenciais, o que fica de aprendizado, segundo Martins, é a possibilidade de romper com as barreiras físicas dos museus, “poder ir àquele que tem mais dificuldade de chegar a você. Mostrou a possibilidade de haver investimento nesta área para produzir um material melhor e alcançar um público a distância. É algo que pode estar no planejamento e creio que o nosso [museu] vai entrar cada vez mais, ao aprimorar essa possibilidade do museu ir cada vez mais longe”.

Mas é certo que este aprendizado não veio sem dificuldades. No início da pandemia, o MAI tentou manter toda a equipe, mas, por seu um museu privado que não trabalha com caixa, tiveram de reduzir a equipe de trabalho. Contudo, o trabalho interno não parou “A nossa equipe foi se alternando, sempre tomando as devidas precauções para manter as peças intactas. O cuidado da manutenção e higienização teve que ser o tempo todo. É um acervo extremamente frágil e delicado que precisa ser visto diariamente” afirmou Juliana.

Além disso, a diretora acredita que “essa pandemia nos fez olhar mais internamente e notamos que temos muita coisa para conhecer na nossa cidade, no nosso estado, no nosso país. Então, creio que tudo aquilo que trabalhamos muito para quebrar a barreira da resistência do residente da nossa cidade, aconteceu, e no pior momento possível, mas aconteceu. Conhecemos pessoas que nunca tinham feito visitas em pontos culturais e turísticos de Curitiba e, agora, começaram a fazer. Eu acho isso bem relevante”.

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