Orlando Azevedo celebra 50 anos de arte com exposição

Mostra “O Labirinto da Luz” pode ser vista no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Artista fala sobre infância, época como músico e relação pessoal com a fotografia

Quando eu tinha cerca de dez anos lembro de estar mexendo nas coisas de minha irmã, que na época estudava para ser publicitária, e encontrar uma revista cuja capa tinha uma mulher nua usando uma máscara antigás. Na época, a foto chamou bastante minha atenção e me inquietou.

A memória do momento foi soterrada por várias outras, até o instante que, doze anos depois, avistei a mesma foto enquanto passeava pela sala 1 do Museu Oscar Niemeyer.

A imagem é uma das 237 que fazem parte da exposição O Labirinto da Luz, que celebra os 50 anos de fotografia de Orlando Azevedo.

A foto nomeada Câmara Ardente (1993) foi capa da revista Invente. Foto Orlando Azevedo.

São as bodas de ouro de uma relação definida como muito intensa pelo artista e que, segundo Orlando, começou bem cedo. “Com 4 anos eu ficava alucinado vendo a National Geographic Magazine. Depois, com 13 anos, fiz o meu primeiro curso de fotografia”, conta.

Além disso, entre as memórias de infância, lembra de passar horas observando no microscópio as lâminas de solos do pai, que era especializado em geologia. “Era um universo invisível”, recorda.

O flerte durou até os 23 anos, quando, de acordo com a exposição, começa a contagem do casamento com a fotografia.

Lâminas de solo do pai despertaram o interesse de Orlando pelo universo micro. Hoje o tema pode ser visto no seu trabalho, especialmente na série Cósmica. Foto: Orlando Azevedo.

Apesar das tentativas de um marco, Orlando afirma que se tornar um fotógrafo não foi uma escolha.

“Artista não se escolhe artista. Artista é escolhido pela arte, é convocado a exercer a manifestação e a expressão.”

Orlando Azevedo.

A mostra, que ficará alocada no MON até a metade de maio, é apenas um recorte do trabalho do fotógrafo nesse meio século de atuação. De acordo com Orlando, são mais de 160 mil matrizes analógicas em todos os formatos e mais que o dobro desse número em formato digital.

“Eu fotografo todos os dias. Compulsivamente. Principalmente agora com o digital você não tem medo. Com o analógico você pensava, media luz e etc. Com o digital você faz a foto e, se não está a luz certa, você corrige na hora, é muito fácil. De qualquer forma, não ausenta o talento de cada um: fotografia é como você vê, como você interpreta o mundo. Fotografia é como você se entrega para o mundo”, afirma Azevedo.

Exposição no MON conta com divisão temática do trabalho do artista: “Ruínas”; “Religiosidade”; “Índia”; “Cósmica”; “Retratos”; “Marinhas”; “Corpo e Movimento”; “Paisagem”; “Festas e Populares”; “iPhone”; “Surreal” e “Voo”. Na imagem acima, um detalhe da multidão no Círio de Nazaré. Foto: Orlando Azevedo.

Em contrapartida, para o artista a foto é “muito generosa”. De acordo com Orlando, ela vem até você, “basta você estar com coração, mente e olhos abertos”, completa.

A maior parte da obra do artista está armazenada na galeria pessoal de Azevedo, um amplo espaço localizado no Mercês, bairro residencial da capital paranaense. São paredes, arquivos e gavetas lotados de registros que em sua maioria nunca foram expostos para o público.

O Labirinto da Luz comemora os 50 anos de produção fotográfica do artista. Foto: Orlando Azevedo.

Enquanto Orlando me mostra algumas das suas fotografias, uma delas se destaca e o artista explica quase que desinteressado: “isso aí é o Vertedouro de Londrina, lá do Lago Igapó”.

A foto em questão parece ter capturado perfeitamente o “momento decisivo”, traçado por Cartier-Bresson. De maneira sinestésica a fotografia parece lírica. Não coincidentemente, a percepção consolida a forma que Orlando afirma pensar fotografia: “Acima de tudo a fotografia está mais próxima da poesia e da música”.

Fotografia ser uma arte muito próxima da música e da poesia é um ideal que norteia o trabalho de Azevedo. Foto: Orlando Azevedo.

Os favoritos de Rita Lee

A relação do fotógrafo com a música é multidimensional. Por 10 anos Orlando se dedicou à banda A Chave, considerada a precursora do rock paranaense.

O período é lembrado com um disfarçado carinho pelo artista, que até se gaba por A Chave ter sido a banda preferida de Rita Lee. A cantora foi procurada pela reportagem para confirmar a informação, mas não retornou as tentativas de contato.

A Chave era uma banda composta por Orlando Azevedo (bateria), Ivo Rodrigues (vocalista), Carlão Gaertner (baixo) e Paulo Teixeira (guitarra e vocais). Foto: reprodução/Todo Roqueiro é Gente Fina: história da banda A Chave.

Orlando, que ocupava a posição de baterista e letrista na banda, dividia o palco com Ivo Rodrigues, Paulo Teixeira e Carlão Gaertner. Eventualmente colaborava também com a banda ninguém mais, ninguém menos que Paulo Leminski.

“A Chave foi a banda que iniciou o Paulo Leminski. A primeira gravação dele foi com a gente. Foram duas músicas que ele compôs as letras: ‘Me Provoque Para Ver’ e ‘Buraco no Coração’.”

Orlando Azevedo.

O ex-baterista lembra que o grupo chegou a tocar com bandas como Secos e Molhados, Mutantes e Bill Haley & His Comets. “Foi uma longa história e quando a banda terminou eu voltei para a fotografia”, relembra.

A Chave tocou pelo underground de Curitiba entre 1969 e 1979. Foto: reprodução/O Labirinto da Luz.

As várias faces de Orlando

O Labirinto da Luz é uma exposição muito importante para mim, porque é uma espécie de revisão do meu trabalho”, conta o artista.

O título da mostra vem de um poema de Mário de Sá-Carneiro, conterrâneo do fotógrafo que se considera um “voraz leitor de poesia”.

É da mesma linguagem que surge uma outra inspiração importante para Orlando: a adoção de pseudônimos, assim como Fernando Pessoa. Segundo Azevedo, a numerosa produção em frentes diversas da fotografia o obrigou a isso. “Para mim facilitou criar dois heterônimos, pois definem estilos diferentes. Yuri Andropov gosta de abstrações. Jacob Bensabat, de coisas insólitas e surreais”, define.

O artista reconhece também que tem uma predileção por retratos. “É algo que eu gosto muito de fazer porque é interlocução. Você tem que arrancar a essência, porque o retrato ou é bom ou joga fora, nem insista”, justifica.

Na fotografia, Orlando revela ter uma predileção por retratos. Na imagem, a obra A menina Grace Kelly, 2009. Foto: Orlando Azevedo.

Orlando também explica que o segredo é a cortesia na aproximação do retratado e comemora que ao longo dos 50 anos de fotografia levou poucos “nãos”. Após a dica, o artista me surpreende: “Então agora vou fotografar você!”.

Origens

Nascido orgulhosamente – como o tom de voz permite notar – nos Açores, arquipélago no meio do Oceano Atlântico, o artista se estabeleceu no Brasil aos 13 anos.

“Fiz minha vida no silêncio das masmorras de Curitiba”, afirma Azevedo, que demonstra ter uma certa antipatia com a cidade.

O lamento constante de que na capital paranaense é difícil que a arte e as manifestações artísticas aconteçam ganha até um apelido dado pelo artista: “Chamo essas coisas de curitibanescas”.

Litoral tem grande influência na obra do artista. Foto: Orlando Azevedo.

De uns tempos para cá Orlando se acomodou em Antonina, cidade histórica do Paraná. Talvez os ares litorâneos e o cenário composto por paisagem natural e ruínas tragam um conforto de lembrança da terra de origem.

A conversa com Orlando Azevedo, ocorrida em um dia quente mas chuvoso de fim de verão, sem dúvidas é recheada de um tom correlato ao do poema de Sá-Carneiro escolhido pelo artista para batizar a exposição que me trouxe memórias inquietas da infância: As minhas grandes saudades / São do que nunca enlacei. / Ai, como eu tenho saudades / Dos sonhos que não sonhei.

Serviço

Exposição O Labirinto da Luz
Em cartaz até 15 de maio
Sala 1
Museu Oscar Niemeyer
Visitação de terça a domingo, das 10h às 18h

Sobre o/a autor/a

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