20 anos de um espetacular Faxinal das Artes

Arte contemporânea no interior do Paraná

O nome oficial era: “Faxinal das Artes: programa de residência de artistas contemporâneos”, mas ficou conhecido como Faxinal das Artes e por vezes até apenas Faxinal. O evento ocorreu entre os dias 17 e 30 de maio de 2002, no interior do Paraná, num pequeno distrito do município do Pinhão, chamado Faxinal do Céu.

Esta pequena vila foi construída como moradia aos operários que trabalharam na construção da Usina do Foz do Areia. Por ali se instalou também a Universidade do Professor, entre 1995 e 2011, que realizava cursos e capacitações aos professores da rede estadual do Paraná. Inicialmente pensado para ser um desses eventos ligados à Secretaria de Educação, o Faxinal modificou-se nos poucos meses de sua preparação e se tornou um ponto fora da curva na história da arte feita em nosso estado.

Retornando de uma viagem que tinha feito à Nova Iorque, o governador Jaime Lerner conta que a ideia original foi inspirada por uma residência que seu genro, o artista Sebastiaan Bremer, tinha feito. De acordo com o currículo de Bremer é muito provável que se tratasse do Art Omi (2001). Vasculhando o site da Art Omi é possível notar até uma semelhança com o tipo de local, uma região rural próxima à Nova Iorque. Entretanto, o que o governador pensava em fazer aqui era voltado aos professores de arte e não aos artistas como a inspiração nova-iorquina. Chegando ao Brasil demandou que a Secretaria de Cultura organizasse o evento. Quem cuidava da pasta na época era a Monica Rischbieter, que desde o início teve ao seu lado a produtora Sandra Fogagnoli, que foi quem me contou pela primeira vez sobre esse evento espetacular, pois ele foi um marco em sua carreira, seja pelos desafios seja pelas vivências e amizades que fez na época e que mantém até hoje.

A curadoria do evento foi dividida entre Agnaldo Farias, que na época estava comandando a representação brasileira da Bienal de São Paulo, e Fernando Bini, conhecido professor de História da Arte e de atuação focada nos artistas que produzem no Paraná.

Hoje, vinte anos depois, o Faxinal é tratado dentro do sistema da arte como algo ousado e por vezes até controverso. Contudo, sua importância é inegável, seja nas obras que ficaram para o acervo do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, seja na quantidade de pessoas que tiveram suas vidas e trabalhos artísticos impactados. Para entender um pouco disso vamos pensar no contexto em que o Faxinal das Artes foi proposto.

O sistema de arte no início dos 2000

Guggenheim, de Nova York.

Os primeiros anos do novo milênio, no ocidente, foram marcados pelas grandes e polêmicas exposições de arte contemporânea. Para citar apenas um exemplo, foi no ano 2000 que ocorreu a Brasil +500, com seu opulento orçamento de 40 milhões de reais, que se corrigidos para os dias de hoje passam de 150 milhões de reais. As feiras e bienais também recebiam cada vez mais investimento e pouco a pouco se tornavam megaeventos. Além dessa efervescência endinheirada no mundo existia uma discussão da vinda de uma sede do Guggenheim (NY) para o Brasil. A maravilha arquitetônica de Frank Gehry, em Bilbao, tinha sido inaugurada em 1997 e a transformação que ocorreu na cidade, em termos econômicos e simbólicos, passou a interessar os governantes de várias cidades pelo mundo. Uma dessas cidades era Curitiba, mas as negociações não estavam agradando nem o cidadão comum e menos ainda a comunidade artística, por fim, mas até que se desistisse de vez da ideia de uma sede do Guggenheim por aqui, Jaime e sua equipe passaram a juntar dois projetos em um: realizar um evento de artistas de grande porte e produzir obras que integrariam um futuro NovoMuseu.

Após algumas reuniões já se tinha a ideia de que o evento seria “para os artistas”, não para os professores e nem para os estudantes de arte. Um dos curadores, Agnaldo Farias disse que foi bastante enfático ao defender que já haviam muitos eventos para estudantes, mas não muitos voltados aos artistas. Nesses primeiros encontros começaram as primeiras divergências. O governador queria 300 artistas, para ter um número de obras resultantes já expressivo para o NovoMuseu, que ficaria pronto em novembro do mesmo ano. Todavia, quando a produção fazia as contas esse número se mostrava inviável. Conseguiram chegar no acordo de reduzir para 100 artistas, que ficariam por 15 dias em Faxinal onde teoricamente produziriam 100 obras e ainda participariam de debates e outras atividades propostas pela organização. Olhando retrospectivamente é realmente muito ambicioso e o mais divertido é pensar que ao menos nesses dois objetivos a coisa realmente deu certo. Para pensarmos melhor sobre eles vamos olhar cada um em separado e na sequência pensamos juntos sobre o que chamamos no início de controvérsias.

Museu Guggenheim em Bilbao (Espanha).

Dois objetivos: debater sobre arte x produzir obras

De acordo com a documentação composta por entrevistas e documentos oficiais, que foi brilhantemente levantada e organizada pelo MAC-PR e algumas artistas que participaram, denota que não havia hierarquia entre os objetivos. Então, ao menos na teoria e no discurso, fazer obras e debater sobre a própria produção têm a mesma importância em Faxinal. Em apenas dois documentos aparece a menção que o artista poderia optar em não participar das atividades caso preferisse passar o tempo concentrado na produção. Entretanto, em várias fontes é dito que a entrega da obra ao final não era obrigatória. O que se prova pelo resultado é que essa liberdade de não entregar uma obra finalizada se provou efetiva e a coleção final conta com 104 obras de um total de 80 artistas. Sobre a participação nos debates é um dado bastante difícil de se medir, mas podemos inferir algumas questões ao menos. Pelas fotos é possível notar os auditórios lotados e pelas fitas K7 que trazem trechos gravados é possível ter noção que os conteúdos não eram simplesmente assistidos. Relatos também citam alguns casos dignos de nota como a fala de Rodrigo Naves sobre uma suposta idolatria aos iconoclastas Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica, o que na visão do crítico seria uma incoerência, alguns artistas rebatem como se a crítica de Naves fosse à própria arte contemporânea e não à parte dela que se apóia apenas nos trabalhos dos três. Outro modo de analisar a eficácia dos debates foi o documento produzido por Helmut Batista, o chamado Jornal Capacete – Edição Especial Faxinal (2002). Nele contém os registros de conversas sobre o sistema da arte como um todo e demonstrando a insatisfação dos artistas quanto à espetacularização da arte, alguns como a crítica e curadora Cristiana Tejo e o artistas Francisco Faria, se demonstram animados com o próprio Faxinal, chegando a dizer que eventos como este poderiam ser alternativas ao espetáculo. Puxando este gancho é desse modo que se deve pensar Faxinal das Artes, não como uma colônia de férias para os artistas como apontam algumas críticas, menos ainda como um programa político como diziam à época. É claro que haviam intenções políticas ao realizar um evento deste tamanho, mas achar que pelo menos 100 pesquisadores sérios que foram os artistas, críticos e convidados passaram 15 dias sem produzir pensamento crítico beira o desrespeito com a própria arte.

The Wardrobe, do projeto A Casa, de José Bechara, realizado no Faxinal das Artes, em 2002. Foto: Dedina Bernardelli/site José Bechara.

Outra crítica que constantemente é levantada era sobre o segundo objetivo, no caso a produção de obras. Este também é um caso complexo, mas que como dito se mostrou eficiente. Podemos questionar a qualidade das obras entregues, isso sem dúvida, mas até aí é possível questionar qualquer obra, seja algo produzido em 15 dias, em 10 anos, em 2h etc. Em defesa dos artistas participantes temos que pensar que o resultado de uma pesquisa poética não se dá apenas na produção material da obra. Além de que por meio da Teoria Crítica do Processo de Criação de Cecília Almeida Salles, devemos inclusive pensar a obra entregue ao público como apenas parte de um processo e não como algo finalizado. Sendo assim o que foi entregue ao estado do Paraná como contrapartida aos humildes mil e quinhentos reais foi uma produção diversa, com obras das cinco regiões do país. Fora que se colocarmos nessa conta a quantidade de obras produzidas por esses mesmos artistas após sua participação, para citar um exemplo José Bechara conta que os próximos 10 anos de sua carreira foram desdobramentos do que realizou em Faxinal, se torna um retorno imensurável em termos de pensamento poético exposto ao público.

Para finalizar é importante mencionar que houveram sim falhas no processo de execução de Faxinal. O próprio Agnaldo Farias, em entrevista, avalia que ao final do evento a produção deveria ter sido melhor cuidada e melhor catalogada. Em minha opinião a exposição resultante ocorrida também merecia um destaque maior, mas o que conta é que as obras estão lá são públicas, podem participar de novas exposições levantar um número infinitos de temas, emocionar os visitantes, trazer discussões que estavam latentes em sua época de feitio, ou questões que só emergem nos dias de hoje. Faço um chamado aos pesquisadores, curadores e artistas que olhem para esses e outros trabalhos que integram os acervos públicos, pois é estudando essas obras que fazemos valer o trabalho dos artistas que as produziram.

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