O bloqueio ocular, a gravidez, o nascimento e a pandemia

O que os olhos e o momento em que chegamos ao mundo têm a ver com nosso comportamento neste momento

Pelos olhos, principalmente, mas também pelos outros receptores que temos em nosso corpo – ouvidos, nariz, pele – percebemos o mundo a nossa volta.

O segmento ocular é o primeiro dos segmentos de couraça listados por Reich. Os outros são o oral, o cervical, o torácico, o diafragmático, o abdominal e o pélvico, como listamos e explicamos brevemente na coluna anterior.

Se este segmento de couraça, o ocular, estiver bloqueado temos uma percepção equivocada do mundo a nossa volta.

Reagimos com medo ou com respostas que não condizem com o que está realmente acontecendo em nosso entorno.

Não percebemos os fatos como deveriam ser percebidos. Não conseguimos ler as emoções e os gestos alheios. Entendemos errado o que nos dizem. Voamos às cegas ou simplesmente fazemos o total contrário do que nos recomendam as placas de sinalização.

Com os olhos bloqueados, simplesmente perdemos o contato com a realidade ou não a captamos integralmente. E, não, não estou me referindo a pessoas literalmente sem o sentido da visão. Estou me referindo ao cego do ditado, aquele que não quer – ou que não consegue – ver. De fato, há pessoas cegas que percebem o mundo melhor que alguns dos que enxergam.

Wilhelm Reich. Crédito da foto: arquivo.

O bloqueio ocular e as aglomerações

A perda de contato com a realidade, trazida pelo bloqueio ocular, pode gerar uma diversidade de comportamentos neste momento de pandemia.

Há, primeiro, aqueles que se isolaram completamente, se já antes não faziam isso – de fato ou comportamentalmente -, evitando o contato humano, seja física ou emocionalmente. O bloqueio ocular tem a ver também com a dificuldade de contato (note como algumas pessoas têm dificuldade de olhar nos olhos ou de se expressar privada ou publicamente). Este caso, do ponto de vista social é menos nocivo que o seguinte que listarei. Mas do ponto de vista pessoal pode ser também um problema. Soube recentemente, por exemplo, de uma pessoa que deixou de abraçar a mãe por meses, mesmo vivendo sob o mesmo teto e estando ambas isoladas no apartamento em que viviam.

E há aqueles que se recusam a aceitar que atividades sociais, antes aceitáveis, são impróprias: festas, aglomerações, descasos em geral com a saúde de pessoas próximas ou distantes e mesmo com a própria.

No primeiro caso, o medo e a dificuldade do contato, em diferentes graus, alimentado pelo recomendável afastamento social.

No segundo, a distorção e a não aceitação da realidade ou mesmo a incapacidade de percebê-la, pura e simplesmente: “Vou continuar a viver e a festejar como se as UTIs não estivessem lotadas”.

Quando não a psicopatia, mas essa categoria já sai do âmbito de um simples bloqueio do segmento ocular. Não consigo deixar de pensar na influencer que, em uma festa, gritou: “Foda-se a vida!” e outra, anônima, que em uma balada clandestina berrou: “Se precisar, amanhã me entubam!”

Mas tanto no primeiro caso quanto no segundo, estamos falando deste primeiro segmento. O ocular.

Crédito da foto: Pexels.

De onde vem o bloqueio ocular

O bloqueio ocular, segundo Volpi e Volpi, se dá com estresses na fase de sustentação, isto é, da fecundação a, aproximadamente, os 10 primeiros dias de nascimento.

Uma gravidez com uso de drogas de qualquer tipo, dificuldades emocionais, financeiras, afetivas, um parto difícil, o uso de fórceps, a cesariana e a forma como o bebê é recebido nesse momento podem provocar tal bloqueio. E a qualidade desse bloqueio vai depender da duração, intensidade, frequência e a sobreposição de diferentes estresses.

Note: isso não é culpar os pais e sobretudo as mães quanto a isso. Lamentavelmente, é praticamente impossível, em nossa sociedade, uma gravidez que assegure um desenvolvimento tranquilo da criança. Atualmente, o que podemos fazer é prevenir da melhor forma possível.

Porém, mesmo mães que tenham todo apoio emocional e um preparo pré-natal adequado, banhada pelo amor de sua família e de sua comunidade, não têm como passar incólumes pelas inseguranças que o mundo atual proporciona.

Mesmo nos partos ditos normais (uma raridade no Brasil, por exemplo), o bebê é rapidamente tirado da mãe, enfiam-lhe sondas nas narinas para drenar líquidos, pesá-lo e sabe lá mais o que dentre tantas coisas menos importantes que o calor do corpo materno do qual o arrancaram.

Eu pergunto a você: se você fosse a um país estrangeiro, do qual não conhece nada, e, ao deixar o avião, o recebem enfiando uma sonda nas suas narinas, como você se sentiria? Deixar o útero é uma experiência muito mais impactante que chegar a um país estrangeiro. É chegar a outro universo. Outra realidade. E se não somos bem recebidos, já de cara deixamos de querer perceber essa realidade. Ela é muito dura.

Com o perdão do jogo de palavras, no mundo atual, nascer é um parto.

Crédito da foto: Jonas Kakaroto/Pexels.

O neuropsiquiatra Federico Navarro observou que a sociedade atual está regredindo de um estado neurótico – o que já não é grande coisa – para um estado núcleo psicótico (pré-psicótico), quer dizer, com um pezinho – ainda que de leve – na esquizofrenia.

Uma das principais características do núcleo psicótico, caracterialidade que abordaremos em outra coluna, é justamente o bloqueio ocular.

Eu arrisco dizer que, considerando tudo isso, todos nós temos algum nível de bloqueio ocular, sem exceção.

E arrisco também a dizer mais: que, se quiséssemos realmente evitar as aglomerações das quais vemos denúncias diariamente nos noticiários, teríamos que ter começado a prevenção muito antes. Para mais de duas décadas atrás, com partos mais humanizados e proporcionando uma gravidez mais tranquila, feliz e amorosa para as mães dessas pessoas. Mas, essa meta, mesmo hoje, é algo distante. Quanto mais há vinte anos.


Para ir além

NAVARRO, F. Caracterologia Pós-Reichiana. São Paulo: Summus, 1995a.

VOLPI, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara. Etapas do Desenvolvimento Emocional. Curitiba: Centro Reichiano, 2006. Disponível em: www.centroreichiano.com.br/artigos.htm.

FORTES, Odailda Simões; MOREIRA, Weslley Marques. “Óculos”: A Compreensão da Psicologia Corporal sobre o Segmento Ocular. In: VOLPI, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara (Org.). Anais. 15.º CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS. Curitiba/PR. Centro Reichiano, 2010. CDROM.

Os segmentos de couraça segundo Reich

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