Despedida entre amigos

Meus últimos dias nos EUA antes da aventura no México

Encerrei minha jornada nos EUA no deserto de Mojave, dentro do Parque Nacional Joshua Tree. A caminho de lá, troquei mensagens com o Marcelão – um grande amigo que fiz na oitava série e hoje mora em San Diego, como contei no início dos relatos. Combinamos que passaríamos o final de semana acampando no parque que ficou famoso por várias histórias diferentes, entre elas um álbum do U2.

Meu encontro com o Marcelão foi comemorativo. A última vez que acampamos havia sido no Nepal, 25 anos antes, quando dormimos em uma noite gelada no campo base do Everest. No final de 2023, ambos comemoramos as 50 primaveras completadas. O Marcelão me falava por WhatsApp que seria melhor que a jornada do Himalaia. E de fato foi. Desta vez não ficamos dez dias sem tomar banho, comemos infinitamente melhor, sabemos lidar melhor com a adversidade. É uma outra fase: construímos carreiras profissionais, casamos, temos uma vida da qual não podemos reclamar. 

Eu entendi mais sobre o trabalho do Marcelo. A Qualcomm, a empresa em que ele trabalha, é a que faz o chip de processamento dos Androids, o Snapdragon. Também é a empresa que fabrica o chip do modem, responsável pela conexão do celular com as torres de dados, tecnologia que está em todos os celulares, inclusive os da Apple. 

Vista do deserto de Mojave no Parque Nacional Joshua Tree. Foto: André Tezza

O que eu não sabia é que as decisões sobre como serão as inovações dos celulares são feitas em uma espécie de conselho mundial, em que mais de 15.000 pesquisadores, de todas as empresas do setor, participam e votam. Por exemplo, já existem as definições do que será o celular 6G – estas decisões não são isoladas, mas conjuntas. Como disse o Marcelo, o celular é um patrimônio humano sem empresa proprietária. É isso que faz com que um smartphone que funciona no Brasil funcione em qualquer lugar do mundo. Ao longo da história, a empresa que mais contribuiu para as inovações do celular foi a Qualcomm.

O Marcelo é diretor sênior e pesquisa aplicações para que o dispêndio de energia seja o mais baixo possível – uma questão crítica, porque todo mundo quer mais tempo de bateria. Existem 10 funcionalidades nos chips da Qualcomm criadas pelo Marcelão que estão em processo de patenteamento – em outras palavras, o meu, o seu, todos os celulares do mundo têm funcionalidades criadas por ele. Quem conhece o Marcelo sabe como o sujeito é: a cabeça do Sherlock Holmes. Enquanto andávamos pelo Joshua Tree, ele olhava para a geologia do deserto e montava teorias sobre as razões de uma marca de inundação ou da árvore ter este ou aquele formato. É um talento extraordinário de entender causas e efeitos – não por acaso, se tornou um engenheiro de destaque mundial.

A costa norte de San Diego. Foto: André Tezza

O trabalho na Qualcomm é puxadíssimo – como normalmente são os empregos gringos. Não há mais férias garantidas para os funcionários – o Marcelo me disse que, no máximo, consegue ficar de folga 15 dias no ano, caso o superior autorize. Ele precisa estudar todos os dias – as decisões daquele conselho de 15.000 cientistas são mensais e precisam ser entendidas e aplicadas. Apesar de tudo isso, o Marcelo é daqueles casos admiráveis em que a pessoa está em paz com o trabalho. Não é que não tenha perrengues – todo trabalho tem perrengue – mas há uma enorme satisfação também.

O Marcelão foi mais um dos hóspedes do Paçoca. Fizemos um belíssimo churrasco, tiramos fotos, apreciamos o deserto com as árvores Joshua e, sobretudo, conversamos. Creio que compartilhamos uma perspectiva um tanto Nietzschiana da vida – não há um sentido na nossa existência (ou pelo menos, não aquele que as religiões nos dizem) e um bom norte é potencializar a vontade de viver.

A imponente árvore Joshua, durante a madrugada. Foto: André Tezza

Depois do parque, fiquei mais alguns dias em San Diego, fazendo os últimos preparativos antes da fronteira para o México. Como aconteceu no início da viagem, Marcelo, Pilar e Bernardo (a esposa e o filho) foram anfitriões maravilhosos. No final de semana, eles me levaram para conhecer a espetacular costa norte de San Diego. Apesar de todas as dificuldades de uma imigração, de viver e trabalhar nos EUA, penso que a vida deles nos encoraja a encontrar nossos próprios caminhos. Saí de lá entusiasmado, com vontade de me jogar de cabeça nos planos que vão acontecer quando eu voltar para o Brasil.

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