Não se culpe por estar triste em um mundo em que a alegria se tornou compulsória

Vemos uma realidade parcial em que todos compartilham vitórias, felicidades de prazer, mas seria esse recorte de fato real ou mesmo benéfico para nossa saúde mental?

Costuma-se dizer que, se rirmos, o mundo rirá conosco e que, se chorarmos, choraremos sozinhos.

Não chega a estar errado.

Porém, nos conceitos da Psicologia Corporal, aprendemos que o conjunto mente e corpo funciona através da pulsação: tensão, carga, descarga, relaxamento. Não estou inventando isso. Tal ideia foi observada por Wilhelm Reich experimental e clinicamente. Também por seus seguidores.

Basta colocar a mão no peito para perceber essa verdade: para bombear o sangue pelo corpo, o coração precisa contrair e descontrair. Para respirarmos, o diafragma precisa se elevar e se abaixar, fazendo com que o ar entre e saia dos pulmões. E, em cada célula de nosso organismo, tal dinâmica se dá com velocidades e processos diferentes e com diferentes objetivos até que, um dia, no final da vida, tais movimentos não sejam mais possíveis. Se paramos de pulsar, paramos de viver.

O que dizer então de uma sociedade em que a felicidade, a alegria constante é compulsória? Dê uma olhada em suas redes sociais. Verifique quantos dos participantes dessas maquininhas de fazer malucos parecem estar nessa dinâmica de êxtase obrigatório e permanente. Eu me pergunto: é uma alegria artificial e, portanto, morta ou irreal, pois não pulsa?

Ao assistir a tal espetáculo um tanto histérico, em um momento de tristeza, pelos quais todos nós eventualmente passamos em nosso processo natural de pulsação, não parecemos nós os errados e desprivilegiados por estarmos perdendo algo em termos de beleza e fruição?

A alegria obrigatória oprime mais do que anima.

O que dizer de corpos que não se desfazem de suas tensões em permanente estado de carregamento e que nunca se recolhem e relaxam, perenemente em euforia? Isso não existe.

Sei que muitos dos que me leem estão tristes e, possivelmente, tristes sozinhos. Talvez se sentindo até culpados por estarem tristes em um mundo que chega a seus olhos incrivelmente brilhante e colorido.

Trata-se, porém, de uma máscara de felicidade, um verniz que oculta uma tristeza presa sob essa casca. E qualquer sentimento, qualquer, se preso, ele se congela.  E, uma vez congelado, ele não deixa de existir. Ele fica ali, incomodando, como uma pedra no sapato que nos faz andar de um jeito errado. Observe cuidadosamente as pessoas que parecem estar eternamente em estado de alegria: quase sempre haverá algo de torto ali.

Parece que há um certo pudor em se admitir a existência da tristeza hoje em dia. Virá alguém, estou certo disso, que dirá: “Mas não é bom cultivar esse sentimento…”

Por certo que não é.

Por outro lado, não estou convencido em absoluto dos benefícios do cultivo de uma felicidade permanente, obrigatória e patológica, como se isso, por acaso, fosse possível, ao ponto de os músculos do sorriso se congelarem numa câimbra dolorida.

Dolorida e triste. Nem sempre um sorriso é um sorriso.

Uma vida de felicidade – aparente apenas -, uma vida de felicidade compulsória é tão real quanto uma fruta feita de cera, colocada no centro da mesa para enfeitá-la. Mas a fruta não é plenamente – com o perdão do trocadilho – desfrutável.

Fernando Pessoa. Foto: reprodução.

Quero reproduzir aqui um poema de Fernando Pessoa, retirado de O Guardador de Rebanhos, que diz tudo isso de uma forma muito mais bonita do que eu mesmo poderia.

“Poema XXI”, de O Guardador de Rebanhos (heterônimo Alberto Caeiro)

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento…
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva …
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja …

Não há vergonha em se estar ou mesmo em se ser triste.

Não há nem mesmo razão para se sentir culpado porque deveríamos, em vez de tristes, nos sentir gratos por tudo que a vida nos dá, mesmo ao mais miserável de nós. Os sentimentos de falta e separação nos são inerentes e, possivelmente, uns daqueles componentes não tão positivos que nos fazem humanos.

Por que sentir, então, pesar por algo que nos é natural e que faz parte da vida?

Seria como um tigre se açoitar pelo fato de ser listrado.


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