Então é Natal e… por que você sente tanta solidão?

Um estudo de Harvard, Stanford e de outras universidades revela por que algumas pessoas se sentem mais solitárias que outras

O período de festas de fim de ano, talvez pelo contraste, diante de tanta celebração coletiva, faz com que muitos de nós sintamos solidão mais do que o costumeiro do resto do ano.

Não que o resto do ano seja isento desses sentimentos para uma população cada vez maior.

Obviamente, estar só é diferente de sentir solidão.

É possível sentir isso mesmo em um grupo, quando temos a percepção de estar dolorosamente desconectados desse grupo.

E é possível não sentir solidão mesmo quando estamos sozinhos. São duas coisas bem diferentes.

Um recente estudo das Universidades de Harvard, de Stanford, de Curtin e Western Australia  observou que existem alguns fatores que determinam a prevalência desse sentimento de solidão nas pessoas.

Como é observado no estudo, o sentimento de solidão é um problema de saúde pública cada vez maior, mesmo em um momento em que temos tantas ferramentas para nos conectarmos.

A um só tempo, a solidão é sintoma de que algo está errado e, também, precursora de outros males tão ou mais sérios, tais como a depressão e o uso de drogas, prescritas ou não, sem falar na evolução para males físicos.

O que o estudo descobriu não chega a ser novidade, visto que deve haver outros estudos anteriores a respeito e, pode-se dizer, que até conseguimos intuir algumas de suas conclusões. Porém, é sempre bom ter o aval do método científico. E o que foi levantado estatisticamente é que o sentimento de solidão está ligado às táticas de regulação emocional usadas pelas pessoas que o vivem.

A amostra foi composta de 501 estadunidenses (50% homens); idade média de 47 anos (18 a 88 anos); 80% brancos; 20% com ensino superior (como seu nível de escolaridade mais alto).

Detectou-se que os pesquisados sentiam mais solidão na medida que adotavam as seguintes estratégias para lidar com as emoções em situações difíceis:

  • Culpar a si
  • Culpar os outros
  • Catastrofização (enfatizar a natureza catastrófica, horrível, dolorosa de uma situação)
  • Ruminação (pensamentos negativos recorrentes)
  • Não expressão dos sentimentos (supressão expressiva)
  • Rejeição de apoio social

Particularmente, o último ítem realimenta a situação de solidão dessas pessoas, visto que tal sentimento é, por si mesmo, a ânsia de buscar o outro, mas – a um só tempo – quem dessa forma sofre se afasta.

Além disso, observou-se que os indivíduos analisados com maior sensação de solidão eram menos propensos ao comportamento de “reenquadrar as experiências”, o que é numa linguagem bem simples, “ver o lado bom das coisas”, mesmo das situações ruins.

A pesquisa não se preocupou em apontar soluções, nem era esse seu objetivo, mas destacou que saber que são essas as razões para o sentimento de solidão ou seu agravamento, ajudaria a descobrir soluções para quem está sofrendo com isso.

O autor do artigo em que descobri a pesquisa sugere que a psicoterapia, particularmente a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e mesmo a leitura de livros de autoajuda baseados em TCC podem ajudar. Não acho que isso esteja de todo errado. Toda ajuda é válida. Eu, por outro lado, como terapeuta corporal, também apontaria a Terapia Corporal como importante apoio a quem sofre de solidão, sem dúvida. De fato, a expressão emocional, por exemplo, em contraponto à repressão da expressividade, é um fator significativo da prevalência da depressão, como apontou Lowen muitas décadas antes desta pesquisa.

Mas, quer saber? Isso funciona (talvez) no nível individual.

Se a solidão é um problema de saúde pública cada vez mais prevalente, isso significa que está atingindo um número cada vez maior de pessoas. É uma epidemia de solidão. Uma pandemia. Caberia não tratar, mas prevenir.

Óbvio, não basta simplesmente dizer a quem dela sofre coisas como “não se culpe”, “não culpe os outros”, “veja o lado bom da vida”, “busque companhia”. Mas me questiono do mesmo modo se também métodos terapêuticos que induzam a adoção de outras estratégias de regulação emocional não seriam quase que como dizer aquelas coisas de forma mais elaborada e durante um período mais longo. E, se podem ser efetivas individualmente, como muitas vezes são, me questiono também se são suficientes para ajudar a todos nós, enquanto coletividade.

Basta olhar como o mundo está hoje. E, nessa configuração, é de ficarmos espantados quando encontramos alguém que não se sinta, em verdade, em solidão, em diferentes graus e em diferentes momentos.

Cabe a pergunta: tal como nossa cultura e nossa sociedade se configura, não é de se esperar que as pessoas se sintam cada vez mais sós?

Será que os indivíduos deveriam adotar estratégias mais e mais elaboradas de regulação emocional em um mundo que, cada vez mais, promove a solidão e o desencontro de corpos e almas, escalando o processo a cada ano, a cada década? Ou será que é o mundo que, de alguma forma, precisa mudar?

Trabalhar clinicamente um indivíduo de cada vez parece ser a solução mais simples, visto que é difícil mudar o mundo, assim, de uma hora para outra. Fazemos o que podemos enquanto uma mentalidade de prevenção aos males emocionais não se torna a tônica. Porém, por enquanto, no que diz respeito à solidão – e a muitos outros males – a terapia vai continuar enxugando gelo.

Se você está se sentindo sozinho nestas festas de fim de ano, tudo o que eu posso dizer por ora é: não está errado. Reconheço seu sofrimento. Me admiraria se, como as coisas estão andando, não estivesse se sentindo assim. Mas gostaria muito que você procurasse ajuda, se puder. Sei que dizer isso não é suficiente, mas em matéria de sentir solidão, neste mundo, ninguém está sozinho.

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