Como proteger de serial killers

Saiba por que é menos importante entender o que pensa um assassino em série e mais importante saber quem são suas principais vítimas

Há um fascínio das pessoas a respeito dos serial killers ou, em bom português, assassinos seriais.

Isso se dá por medo puro e simples, por certa curiosidade mórbida ou, o que julgo ser mais comum, um misto das duas coisas.

Os serial killers estariam no topo ou, melhor, no abismo, do que seria o transtorno de personalidade antissocial. Embora haja muita controvérsia em colocar a psicopatia (termo em desuso) e a sociopatia no mesmo saco, na prática e fugindo das filigranas, o que temos é um espectro que reúne algumas características.

O critério clínico, segundo o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition, é o “desprezo persistente pelos direitos dos outros”, manifestado de três ou mais dentre as seguintes formas:

  • Desprezar a lei, indicado por atos repetidamente cometidos que são motivo de detenção
  • Ser enganador, indicado por mentiras repetidas, uso de pseudônimos ou ludibriar os outros por ganho pessoal ou prazer
  • Agir impulsivamente ou não planejar com antecedência
  • Ser facilmente irritado ou agressivo, indicado por brigas físicas constantes ou agressão a outros
  • De forma imprudente desprezar sua segurança ou a segurança dos outros
  • Agir consistentemente de forma irresponsável, indicado por deixar um emprego sem planos para outro ou não pagar contas
  • Não sentir remorso, indicado pela indiferença ou racionalização da agressão ou maus-tratos de outros

Observado isso, nem todas as pessoas com essas características serão assassinas.

Alguns sociopatas ou psicopatas (mais uma vez, termo em desuso) se dão bem em profissões que exigem frieza e até mesmo manipulação, como a direção de uma grande companhia ou em cargos políticos.

No espectro do transtorno de personalidade antissocial, poderemos ter desde alguém que sistematicamente explora financeiramente e manipula pessoas amigas mais generosas (ainda que sem maiores consequências), passando por aqueles que cometem pequenos delitos, estelionatos de maior monta ou falsidade ideológica e, chegando, sim, um serial killer, o sujeito que vai matar para tentar satisfazer suas fantasias, tratando o outro como objeto de violência.

Outro aspecto interessante é que o sociopata poderá se colocar acima de alguns aspectos da moralidade, como se aquilo não valesse para ele, e se enquadra em outros.

Por exemplo, um criminologista conta a história de um serial killer que corrigia sua gramática e sua pontuação nas cartas trocadas entre os dois.

Esse criminologista, David Wilson, inspirou este texto a respeito de “como proteger de serial killers”. Note que eu não usei o termo “como SE proteger de serial killers”.

No vídeo em que Wilson analisa cenas de filmes e séries como Zodíaco, Dexter, O Silêncio dos Inocentes, Se7ven, Psicose, Onde os Fracos Não Têm Vez e outros, faz uma observação interessante.

Há um mito de que o criminologista está interessado em “entrar na mente” do serial killer. Wilson diz, na verdade, não estar interessado no que motiva um serial killer (embora, provavelmente, isso seja importante para uma eventual investigação). Ele está muito mais preocupado com QUEM o serial killer é capaz de matar.

“Se concentrarmos nossa atenção nos grupos que os serial killers têm como alvo com constância, nós faremos muito mais no sentido de reduzir a incidência dos crimes por eles cometidos”, afirma. Ao contrário de se nos concentrássemos apenas em “entrar na mente” dos assassinos em série.

“Se quisermos fazer algo realmente importante para reduzir a incidência de assassinatos em série em nossa cultura, precisamos combater a homofobia, precisamos de um debate adulto a respeito das políticas a respeito dos jovens homens e jovens mulheres que vendem serviços sexuais e, acima de tudo, precisamos tentar entender por que as pessoas com mais idade são tão vulneráveis em nossa sociedade”, diz ele.

Eu acrescentaria ainda, na lista, as crianças e as pessoas em situação de rua.

Não só os serial killers visam os mais vulneráveis e os menos assistidos. Também golpistas e outros criminosos – provavelmente com diferentes níveis de sociopatia – procuram os mais fragilizados e os menos assistidos, aqueles que, por alguma razão, não terão a atenção das autoridades e de seus pares humanos.

Não são incomuns casos de serial killers que demoraram anos para serem detectados porque eles, simplesmente, matavam prostitutas, uma parcela da sociedade que, por ser tratada marginalmente, é ignorada no melhor e mais triste estilo “quando morre não faz falta”.

Por isso o título não é “como SE proteger” e sim “como proteger”. O perfil mais frequente de vítimas de sociopatas, os mais vulneráveis, são aqueles que merecem nossa maior atenção em todos os sentidos.

Cabe indagar ainda, se nós como sociedade não os estamos matando das mais diferentes formas – rápidas, lentas, diretas, indiretas – em até maior número do que um assassino em série seria capaz. Uma verdadeira sociedade que, em seu conjunto, tem transtornos tão ou mais assustadores que os próprios serial killers.

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