A minha banda
Lis não tem uma banda, mas a vida dela é cheia de música
Abril de 2017. Estava lá eu, mãe de dois, naquela fase nebulosa de ainda não entender muito bem quem sou depois da maternidade, o que resta de mim da vida antes dos filhos, o que quero pra mim de agora em diante.
Eu me questionava, apesar de taurina inveterada que ama fazer vários nadas, o quanto eu seria capaz de fazer com meu tempo livre. Aquele tempo livre de quem trabalha fora e ainda tem casa e filhos pra cuidar, sabe?
Eis que minha amiga de longa data Roberta me manda uns textos pra revisar, sobre um projeto lá que ela queria fazer. Li o material e fiquei muito interessada: um projeto social feminista para meninas e mulheres se expressarem através da música! Seria um sonho? A união de temas tão queridos para mim: a música, o feminismo, a infância, a sororidade, o voluntariado. Comentei com ela que adorei a proposta e queria saber mais. Ela então falou: vem aqui em casa sábado. Vamos falar do projeto com outras mulheres.
Cheguei lá ansiosa – como sempre, e fico sabendo que a Carla tá vindo também. Uma veterana da faculdade com quem tive pouco contato, mas foi marcante o suficiente para eu me lembrar de uma anedota protagonizada por ela. Contei a historinha, pra disfarçar a dificuldade de socialização com gente nova (a típica introspectiva mal interpretada como metida).
Eu podia seguir aqui contando todas as minhas impressões daquelas pessoas que fizeram o Camp sair do papel naquele dia. Mas daria um livro (quem sabe um dia?). Então em resumo eu digo que o resto é história. Daquele dia em diante, passaram-se quase cinco anos, quatro edições presenciais e uma online do Rock Camp Curitiba. Acolhemos cerca de 200 campistas e 250 voluntárias até hoje. Uma comunidade que só cresce e multiplica liberdade de expressão, união, força de vontade.
A gente brinca que no Camp não existe ex-voluntária, ex-campista. Porque o laço que se cria é tão forte, que a gente se sente para sempre conectada àquelas pessoas de alguma forma. Além das muitas amizades que vieram pelo Camp, eu tatuo com voluntária (@vodkarina.tatts), frequento e compro meus brownies no café inaugurado por duas voluntarias do camp (@mandarinacomidaeafeto), se alguém precisa de fotógrafa, videomaker, pediatra, eu tenho alguém do Camp pra indicar.
Eu nunca imaginei que o Camp fosse me transformar tanto, tornar-se tão parte de mim. Mesmo depois de tantas edições, a cada fim de programação eu saio diferente, cheia de sentimentos, insights, questionamentos e vontade de continuar fazendo ainda mais.
Hoje eu sei – muito bem – do que sou capaz de fazer com meu tempo livre. Tanto que, além do Camp, atuo junto ao Coletivo Luzia, uma iniciativa que visa melhorar a vida de mulheres periféricas. Mas não se engane, eu ainda amo e sigo fazendo vários nadas. É fascinante perceber o quanto a gente é capaz de realizar quando atua de braços dados com outras pessoas. O poder do coletivo é imenso. O resultado é tão gigante, que eu não canso de me surpreender e pensar “nossa, mas eu fiz tão pouco”. Porque a soma é muito, mas muito maior do que o individual.
Na coordenação do Camp, não raro me perguntam por que eu não tenho uma banda hoje em dia. Afinal a música faz parte da minha vida desde muito cedo. Dos 7 anos em diante eu estudei flauta, teoria clássica, coral. Na adolescência e juventude compus, toquei e cantei em bandas, gravei fita demo, CD, organizei e me apresentei em muitos shows por aí. E hoje? Hoje eu ainda toco, componho, canto. Mas a minha banda… a minha banda é o Camp. Nele tem colaboração, planejamento, discussão, criatividade, prática, show e música. Muita música!

Lisi Cr é mãe, feminista e coordenadora do Rock Camp Curitiba.