Universidade Positivo: entre a educação de qualidade e o negócio, venceu o negócio

Ex-professora da UP fala do "vício da ambivalência" de uma instituição privada, mas que tentava investir na educação

Trabalhei na UP por 16 anos e nunca ignorei que antes de tudo tratava-se de um negócio.  Mas não era só um negócio. Havia um projeto de educação consistente, que a elevou ao status de Universidade, o que levou muitos anos, deu muito trabalho e custou muito. Tudo isso feito com muita seriedade, seguindo criteriosamente as exigências do MEC, sem bibliotecas itinerantes e outros truques como se sabia haver no início dos anos 2000, com o boom de particulares. 

Ainda era um negócio e em algum momento virou um mau negócio. 

Desde então instalou-se uma espécie de gangorra de gestões, ora primando pelo negócio, ora primando pela educação de qualidade. Quando entrava uma gestão que promovia corte de custos, corte de cabeças, tesouradas nos projetos pedagógicos e mais toda parafernália organizacional de coaching, mentoring e as malditas palestras motivacionais, o estrago era enorme, as notas no ENADE despencavam, a insatisfação dos professores e alunos era óbvia.  

Então outra gestão tomava a frente e contratava doutores, cobrava produção científica, criava projetos de extensão e investia na pós-graduação, gastava muito e era substituída. E vinham outros gerentes e superintendentes. Cabeças rolavam e cursos fechavam, mas nesse movimento cíclico em que  sempre havia alguma compensação, de alguma forma nós professores não víamos (ou fingíamos não ver) para onde estávamos indo. 

Primeiro instituíram um plano de carreira bem pouco favorável para os novos professores, com a subsequente demissão dos professores contratados pelo plano antigo, começando por aqueles que tinham doutorado e mais anos de casa. 

Depois a venda para o Grupo Cruzeiro do Sul. 

E agora nos chocamos ao ver a forma de operar de um grupo que não sofre com ambivalências, que tem clareza de que é só um negócio e que não tem nenhum pudor ao oferecê-lo para os alunos:  “Troque um curso presencial por dois EAD pelo mesmo valor”.

 Talvez eles não tenham se dado conta que herdaram uma instituição com o vício da ambivalência e o quanto isso pode os perturbar. Por enquanto, valem-se da pandemia para usar a estratégia que sempre usaram ao comprar uma unidade e que eles próprios chamam de Lista de Schindler, referindo-se a demissão em massa dos professores e funcionários que custam demais. 

Segue-se a carnificina nos projetos pedagógicos, o corte nas horas de pesquisa e extensão, nas horas de orientação de Trabalhos de Conclusão de Curso e supervisão de estágio, o esvaziamento dos serviços prestados à comunidade. 

Muitos alunos pedirão transferência, muitos professores vão preferir sair, muitos ficarão por não terem opção ou por acreditarem que um milagre pode acontecer. E tem aqueles que surpreendentemente se alinham ao novo sistema, passam a defendê-lo como a salvação, reproduzem seus discursos pífios e criam novas Listas de Schindler, num esquema de servidão voluntária, como descrito por La Boétie: não vêem que estão a atirar-se para o meio de uma fogueira que não tardará a consumi-los. 

De minha parte, vivo o luto de ver o estraçalhamento do curso de Psicologia que ajudei a criar, que coordenei e em que fui professora e a transformação da universidade em algo que não me parece promissor em nenhum sentido educacional. Talvez seja um bom negócio. Ou talvez só uma faceta a mais do projeto de destruição generalizada em que estamos [involuntariamente ou não] todos imersos.  

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15 comentários em “Universidade Positivo: entre a educação de qualidade e o negócio, venceu o negócio”

  1. Jean Carlos Glembosky da Silva

    Não é só isso citado na matéria acima,mas a também uma grande falta de respeito com quem trabalha terceirizado da parte de alguns funcionários da UP que são mininoria,mas também da administração da empresa de higienização e conservasão que lá presta os serviços,o local de descanso é do lado da valeta,imagina só você se alimentar no almoço e janta,depois tem que aguentar 0 cheiro de esgoto,além da estrutura do local é antiga,do tempo que era um HARAS PARA EQÜINOS,quando será que vão tomar vergonha na cara ,ter respeito,educaçâo e saber que todos somos iguais. Na minha opinião deveria trocar a chefia geral da UP,assim melhoraria esse estabelecimento !!!!

      1. Lawrence Estivalet de Mello

        Identifique-se, João. O colega terceirizado tem todo o direito de falar. Já você, só sob anonimato? Peço que deletem seu comentário e que você tenha coragem de se identificar antes proferir agressões gratuitas.

  2. Willian Carneiro Bianeck

    O projeto de sucateamento da educação pública respinga também na qualidade de ensino privado, dado que sendo fraca a universidade pública, não há razões para aumentar o investimento no ensino privado para atrair alunos. Uma universidade pública forte obriga maior concorrência e qualidade de ensino privado para atrair mais alunos à instituição. Fico triste porque, de fato, a UP tinha um projeto pedagógico bem estruturado para bater de frente inclusive com as melhores universidades públicas do Paraná. Parece que desistiu disso e, como diz o mote do artigo, assumiu sem pejo algum a sua faceta de ser um negócio antes de tudo.

  3. OBRIGADO prof. Fernanda, tivemos um péssimo ano até então, porém minha família e com certeza tantas outras fomos surpreendidos com essa venda da UP para a cruzeiro do Sul. Não estão sendo claro com os fatos, está muito estranho essa transação. Somos de muito longe MT e fomos até CURITIBA onde membro da nossa família estaria estudando PRESENCIAL, porém, pelo que se vê será somente EDA. Tudo bem, esse ano está complicado pelo COVID, mas NÃO passam com clareza nenhuma informação. Espero não ter que mudar de faculdade e cidade pois adoramos curitiba. Acredito que todos nós pais e alunos temos o direito de saber (até porque estamos pagando a mensalidade em dia) claramente como vai ser as aulas daqui pra frente. Espero uma resposta convincente e verdadeira por parte da diretoria da UP/Cruzeiro do Sul.

  4. Eu estudei e me formei com a Fernanda. Sei, desde a época da faculdade, da sua dedicação aos estudos e a vontade de fazer a diferença na Psicologia. Fui professora convidada da pós-graduação da UP por 3 anos. Os dois primeiros anos foram incríveis, mas, infelizmente presenciei a queda da qualidade e a necessidade de que fizéssemos milagres e que passássemos o básico aos alunos. Além da Fernanda, muitos professores que tive o prazer de ser aluna, fizeram um curso de Psicologia de referência. Uma pena acabar tudo assim, pelo negócio.

  5. Lawrence Estivalet de Mello

    Excelente texto. Bem escrito, ponderado, firme e coerente. Narra com exatidão o que acontece e denuncia o futuro da instituição. Obrigado, professora.

  6. Muito triste ler isso. Estou quase me formando na UTP e a minha expectativa era muito maior. Foram poucos os professores que de fato educaram, imagino que seja um problema de todo o sistema.

  7. Thalita Taís Ribeiro

    Uma colocação que representa o dia a dia do estudante em um curso onde os alunos vivenciaram o seu declínio. É lamentável uma história se desvanecer desta forma.

  8. Lamentável e triste. Estudo na UP desde 2013 e pude ver as nuances que oscilam na sua forma de operar. Pude comparar o curso com outras universidades, inclusive de fora, e tinha orgulho da excelência na forma como éramos ensinados. Mas agora é questão de – pouco – tempo até virar uma sucata.

  9. Raquel Cruz Balcewicz

    Maravilhoso texto.Descreveu perfeitamente a linha do tempo de uma Instutição de Ensino na qual colaborei por 20 anos .Cheguei a UnicenP em 2000.Acredito que entrei na UP na hora certa e saio da Cruzeiro do Sul na hora certa

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