Uma eleição é sobre muito mais que o vencedor

A única forma de garantir uma Curitiba mais democrática é que grupos de interesse se unam para garantir cadeiras na Câmara

Gente do mundo inteiro respirou um pouco aliviada neste sábado, 7 de novembro de 2020, com o anúncio da vitória de Joe Biden contra Donald Trump. O resultado coloca Biden na presidência dos EUA e marca uma grande e importante derrota contra supremacistas brancos.

Mas, como é típico do processo eleitoral, há já quem aponte que Biden talvez não seja tão progressista quanto se poderia esperar. E ele é um homem branco.

Negros, mulheres, imigrantes. Todos que caminham com o peso de uma história de opressão e violência têm pressa em colocar em movimento novamente a roda da evolução e da civilização. E incomoda esperar que esta novamente esteja sob a responsabilidade daqueles que durante centenas de anos a empurraram para o outro lado.

Mas a eleição americana é uma boa oportunidade para mudarmos algo sobre como pensamos o processo eleitoral (e há poucos dias de nós mesmos termos que ir às urnas também, olha que conveniente). Sim, Biden venceu Trump, mas é uma vitória que só foi possível graças a capacidade dele de colocar negros, latinos e outras minorias para trabalhar por cada um dos votos que recebeu.

Se você é um espectador atento deve ter visto que apesar da vitória de Biden, os democratas perderam espaço na Câmara (mas mantiveram o controle da Casa) e não têm garantido ainda a maioria no Senado. Parece estranho, não? Ainda mais se julgarmos as eleições deles pelos parâmetros das nossas, cujos vencedores costumam emplacar também a maioria no legislativo.

Mas está justamente aí algo importante de se perceber. A eleição para o executivo é resultado da união de diferentes grupos. Não há como se eleger presidente, nem prefeito com o apoio de só parte da população. Os representantes de cada um dos diferentes grupos, por sua vez, são eleitos para os cargos legislativos.

Porque uma eleição é muito mais do que quem a vence. A eleição é uma grande olimpíada de forças políticas. Algumas se mostram mais fortes do que outras, e esse capital rende dividendos durante os quatro anos de mandato do vencedor. Biden se elegeu, e lideranças negras ganharam capital político. E é esse capital político que vai ser a moeda mais valiosa em Washington nos próximos anos.

“Ah, mas é assim lá”, diz a pessoa sem fé na humanidade. Não, é assim em toda democracia. Pense bem, quando foi que a proteção animal virou política de Estado em Curitiba? Foi quando lideranças do setor conquistaram espaço no legislativo da capital. A bandeira cresceu e foi parar no plano de governo dos candidatos de agora, o que inclui promessas até de um hospital público para animais (não estou dizendo que acho isso uma boa ideia).

Mas o poder do capital político desses grupos ou bandeiras depende também do equilíbrio de forças no processo eleitoral. O Lula que venceu a eleição pela primeira vez em 2002 tinha menos capital político do que o Lula que emplacou Dilma como sucessora em 2010.

É do interesse do processo democrático e da população em geral que exista um equilíbrio entre o capital político do titular do poder executivo e o do poder legislativo e outras lideranças da comunidade.

Isso é uma péssima notícia para a eleição municipal em Curitiba. O atual prefeito, Rafael Greca (DEM) deve se reeleger. Com a desistência de Gustavo Fruet (PDT) da disputa, o partido, que elegeu a maior bancada em 2016 – apesar da derrota de Fruet ainda no primeiro turno – deve ter dificuldade para manter suas cinco cadeiras.

Se tiver maioria na Câmara, Greca ganha mais força para determinar sem grandes interferências as políticas que irá colocar em prática. Políticas que vão determinar os problemas e soluções da cidade para a próxima década. E tem menos incentivos para ser transparente, para negociar.

A única forma de garantir uma Curitiba mais democrática nos próximos quatro anos é que grupos de interesse se unam para garantir cadeiras na Câmara. Isso exige negociação, ter a capacidade de encontrar objetivos em comum.

Eleição não é batalha, muito embora às vezes pareça. Eleição é repensar como vemos nossa comunidade no futuro. E isso inclui prever que quem quer que seja derrotado no pleito não vai desaparecer da cidade.

Biden é um homem branco. Mas vai governar com homens e mulheres brancos, negros, imigrantes. Quem estará ao lado do nosso próximo prefeito?

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