“Sofri preconceito por ser jornalista”

Trabalhador com colete do TRE-PR tentou intimidar jornalista que registrava fila em local de votação

Cheguei ao Colégio Stella Maris pra votar pela manhã. Escolhi este horário porque trabalho durante o dia orientando meus alunos, repórteres da Rede Teia, que vão cobrir de forma remota as eleições como é tradição há muitos anos. Todos os anos fiz um boletim de meu lugar de voto para a Rede e este ano faria fotos com texto. 

Entrei na fila, umas dez pessoas à minha frente e pedi a meu companheiro que fizesse algumas fotos da minha seção. A 718 (antiga 550) sempre tem fila, enquanto as outras seções próximas não têm. Desta vez, tinha  apenas uma mulher com menos de 60 anos, assim como eu. Ao ver que estávamos fotografando, a moça começou a gritar que não era permitido fotografar. Eu expliquei que era para um veículo de notícias e afirmei que tinha o direito de fotografar, mas não que publicaria as fotos diante da informação que elas me davam, desautorizando a publicação.

Ensino a estudantes que no Jornalismo temos acordos com relação ao uso de imagem de pessoas em notícias. Sempre que há relevância social jornalistas podem usar imagens para mostrar um fato. Neste caso, era relevante o fato de ser uma seção com fila, que aumentava a cada minuto, às oito horas da manhã.  Na prática jornalística, quando uma pessoa informa que não quer sua imagem sendo exibida, caso a imagem não seja a única disponível e possa ser feita de outra forma, a reportagem pode buscar outra opção. E deixar de publicar a pedido da pessoa. 

Chamamos isso de contrato não-verbal e que, neste caso, foi quebrado porque três pessoas se viram sendo fotografadas e discordaram da publicação. Eu cedi ao pedido, embora conheça jornalistas que não fariam isso e nem concordariam em permitir ao público escolher se quer ou não ter sua imagem exibida. Gravei um vídeo explicando a autorização do uso de imagem e voz por jornalistas, é possível assistir aqui:

O assunto voltou à tona quando a moça que gritou reclamando saía do colégio eleitoral e voltou a me falar que não autorizava o uso da imagem. Eu expliquei novamente que não publicaria. Foi então que apareceu um homem com colete do TRE se apresentando como representante do Tribunal Regional Eleitoral e disse que eu não podia tirar fotos. Expliquei que era para uso jornalístico e que eu estava cadastrada na base do TSE. Então, ele me disse que eu deveria apagar as fotos. Expliquei que não ia apagar, mas já havia assumido o compromisso de não publicar e que este era meu contrato verbal. 

Então, ele exerceu sua postura autoritária: “Se a senhora fez um contrato verbal, eu exijo que a senhora apague as fotos“, dando um passo à frente, desrespeitando o distanciamento social, o que pode ser visto e ouvido no vídeo. A postura intimidadora a uma mulher e a uma jornalista fizeram com que minha veia democrática pulsasse e respondi: “Então o senhor me espera votar, eu volto, gravo uma entrevista com o senhor me dizendo isso, daí eu apago”. Imediatamente, ele recuou, deu um passo atrás, que também pode ser visto no vídeo. Recuou mais ainda quando lhe pedi seu nome, titubeou antes de dar o sobrenome.  

Luiz Carlos Fracaro deu um passo à frente e tocou meu ombro (duas vezes) dizendo: “Eu vou fazer o seguinte, não é comigo que a senhora vai gravar, eu vou chamar a assessoria de comunicação do TRE” e foi embora. Não me deu entrevista, não me esperou votar. Tocou em mim, tentou me intimidar, exigiu que eu apagasse as fotos, mas na hora de gravar disse que era melhor eu buscar a assessoria de imprensa, recuou. 

Este funcionário do TRE, além de descumprir normas de convívio, não somente em época de pandemia, mas em qualquer época, uma vez que deu um passo a frente para mostrar sua autoridade, para me intimidar, tocou em mim duas vezes, não tinha certeza de que a exigência dele era legítima. Por isso, foi embora.

Me arrependi de não tomar nota do nome da moça responsável por cuidar daquela seção, a que organizava a fila, porque ela também me pareceu tomar partido. Voltou algumas vezes no assunto de que eu fotografava sem permissão. Acho que ao me ver pedindo o nome do fiscal, fugiu também. 
Engraçado como é fácil gritar com jornalistas neste momento histórico. Senti, hoje, o ódio ao jornalismo. Fui identificada porque usava minha máscara do Sindicato dos Jornalistas que diz: Sou Jornalista e não me calo. Isso deve ter provocado a ira de algumas pessoas que odeiam o jornalismo. Eu acredito que esta onda de ódio vai passar, meus filhos não vão viver o que vivemos. Com a queda de alguns políticos que incitam o ódio à imprensa, acredito que muitas pessoas vão olhar pra trás, lembrar deste tempo, e entender que foram manipuladas e quer terão arrependimentos. Tenho que acreditar nisso!

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16 comentários em ““Sofri preconceito por ser jornalista””

  1. Pelo oq eu li, a pessoa sem estar identificada como jornalista começa a tirar fotos dentro da seção, cria tumulto desnecessário e usando um caso pontual força a barra pra se fazer de vítima. Mas ela esquece que a maioria que está trabalhando em uma eleição é de voluntários, que acordaram as 5 horas da manhã e precisam lidar com pessoas mal educadas que procuram confusão.

  2. Alexandre campos Gomes de souza

    O funcionário do TRE estava fazendo seu trabalho na escola, assim como o seu. Como se diz, cada um no seu quadrado. Pelo q entendi, houve uma querela entre vc e um cidadão e ele interviu, como entendo que lhe cabia,pois ocorreu num espaço reservado para as eleições. Não entendi nada de autoritário.
    Gostaria de ler aqui um texto jornalístico sobre o trabalho de vários voluntários dessa eleição,- mesários , auxiliares, secretários, roteiristas – provavelmente foi o caso desse que te abordou e o meu caso. Estou exausto mas com o dever cívico às alturas. E vc, que contribuição deu hj para o país, além de questiunculas circunscritas à profissão de jornalistas?

    1. Rosiane Correia de Freitas

      Oi Alexandre, tudo bem?
      Publicamos o texto da professora Sandra porque nem funcionários nem voluntários na eleição podem tentar intimidar e muito menos tocar pessoas para impedi-las de exercer nem o direito ao voto, nem o direito ao registro do espaço público. A única restrição legal a registro em vídeo ou fotográfico num local de votação é na cabine de votação. A jornalista estava exercendo a atividade profissional dela e o técnico errou.
      No mais, gostaríamos que o debate aqui fosse civilizado. Infelizmente não conseguimos produzir nada sobre os voluntários.
      Abraço

  3. Parabéns professora Sandra! Temos que responder a esse tipo de situação com aquilo que nos é mais caro: o jornalismo! Só teremos uma sociedade justa e democrática se tivermos jornalistas livres e com coragem. Te admiro.

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