Protestos em escolas mostram falha na qualidade do ensino

Agressões, gritos e desrespeito a determinações da direção das escolas mostram que relação comercial está acima da comunidade escolar

Nos últimos dias escolas tradicionais privadas de Curitiba registraram episódios lamentáveis de desrespeito ao ambiente educacional e de incapacidade de debate dentro da comunidade escolar. Os casos aconteceram mesmo depois das escolas determinarem restrições a manifestações políticas de professores, funcionários e estudantes durante o período de eleições.

No Colégio Positivo, a determinação de que a comunidade não usasse as cores dos candidatos no ambiente escolar foi seguida por uma manifestação massiva não só de estudantes, mas também dos pais que ocuparam o espaço vestidos de verde e amarelo. A situação se repetiu no Bom Jesus, Marista e outras instituições importantes da rede escolar curitibana numa clara demonstração de quem nem os estudantes, nem as famílias deles respeitam o espaço escolar e suas regras.

Para além da questão político/ideológica, essas crises dentro da comunidade escolar mostram uma falha grotesca na condução do espaço e da comunidade escolar. O ensino é, sobretudo, um processo social. Ao colocar um filho numa escola, os pais o tiram de um ambiente limitado – a família – para iniciar um processo de adaptação à vida em sociedade. Isso é parte essencial da experiência escolar. E da formação de uma pessoa que, no futuro, será capaz de se adaptar a diferentes situações e realidades, uma habilidade que a Harvard Business Review chama de “nova vantagem competitiva”.

Mas não se trata de dois ambientes isolados – a família e a escola. Professores e escola precisam atuar em conjunto com toda comunidade escolar, o que inclui a vizinhança da instituição, além das famílias dos estudantes. Uma comunidade escolar forte e em sintonia implica na negociação de diferenças – de crenças, de opiniões, de posturas, mas também resulta num ambiente de maior tolerância e capacidade de diálogo. E em alunos que aprendem a serem mais adaptáveis a mudanças.

Não se trata de algo alheio à escola e ao processo educativo. É parte integrante disso. Mas as escolas privadas brasileiras têm desmontado espaços de convivência dessa comunidade, desestimulando a organização de grupos de pais e de alunos, evitando o diálogo coletivo e tratando questões do convívio escolar individualmente. Para as escolas particulares, se a comunidade quiser usar o espaço escolar, o lugar disso é escola pública, jamais as instituições privadas.

Do ponto de vista de negócio pode ser uma ótima ideia. Ser uma escola “de direita” ou “de esquerda” é péssimo negócio numa área em que as empresas estão lutando para manter suas salas cheias e o caixa no azul. Muitas escolas também se vendem como espaço de segurança – não do ponto de vista intelectual, onde o estudante pode errar e arriscar, além de testar suas habilidades – mas estritamente no sentido de segurança pública, ou seja, dentro dos muros da escola não há a violência nem as mazelas do mundo exterior. Mas o fato é que não dá para isolar a escola dos problemas da sociedade em que ela está. Daí resta ao administrador escolar tentar “proibir” manifestações políticas.

Para o processo educativo tentar isolar a escola da sociedade em que está é péssimo porque ao se propor ser um espaço de preparação da criança e do adolescente para o futuro, a escola se coloca no centro da necessidade de preparar os estudantes para um futuro no qual flexibilidade, capacidade de diálogo e de adaptação é essencial. Numa sociedade plural como a brasileira, isso é fundamental.

As escolas particulares brasileiras já são um espaço de exclusão. As escolas em que ocorreram os protestos tem mensalidades em torno R$ 1500, um valor proibitivo para a maior parte da população numa cidade em que a renda média mensal é de R$ 2.480,01 (IBGE). Em alguns casos, os esforços das escolas para aproximar os estudantes de realidades diferentes se limita a ações de caridade em favelas da cidade, algo que faz muito pouco ou quase nada para que eles se percebam como iguais em relação a essa população.

Além disso, limita a experiência da “realidade” a uma relação ricos versus pobres, quando o país tem uma estrutura sócio-econômica muito mais diversa.

Não há diálogo real entre duas pessoas quando uma se vê como superior a outra. E é justamente isso que vemos nas manifestações políticas nas escolas: um festival de desprezo a escolha do outro (se não é igual a minha, então não é legítima) e de generalizações até mesmos racistas sobre a decisão de voto alheia (o nordeste depende do sul e outras afirmações equivocadas).

O desprezo é uma estratégia perdedora no debate. E saber debater é outra habilidade fundamental a ser desenvolvida num projeto educativo moderno. Isso implica em saber organizar argumentos, explicar conceitos e, principalmente, ser criativo e rápido em reagir ao argumento alheio. É preciso aprender a encontrar furos nas próprias ideias e argumentos e trabalhar para justificá-los ou superá-los.

É óbvio nas imagens de jovens de bandeira nas costas e com o braço levantado gritando que nada ali se relaciona com o exercício intelectual do diálogo ou qualquer exercício intelectual. É, sim, a imagem do fracasso da escola acima de tudo. Uma escola que se tornou incapaz de estimular o respeito a seu espaço e de preparar seus estudantes para um mundo em que ele precisa trabalhar para ter sua voz ouvida.

Também mostra que a estratégia de recorrer à proibição de manifestação política de professores e funcionários tentou adiar uma crise que era previsível, mas ao invés de lidar com ela de maneira educativa, as escolas optaram pelo autoritarismo. Porém, não estamos mais nos 1960, mas vivemos o legado de 1968 e temos uma população menos cordata e disposta a aceitar um papel submisso.

Ou seja, a sociedade mudou, mas as escolas continuam achando que resolvem diferenças com imposição e sem estimular o diálogo. Estão presas a uma concepção de educação limitante e antiquada. O resultado foi uma reação inapropriada dos estudantes, mas também uma falha da escola e das famílias em conduzir um momento que era para ser de aprendizado e se tornou de reforço de preconceitos.

Sobre o/a autor/a

22 comentários em “Protestos em escolas mostram falha na qualidade do ensino”

  1. Estudei no Bom Jesus 11 anos e esse relato é o que gostaria de escrever e me faltam palavras. Apesar de ter boas recordações de professores e colegas, o esquema de ensino é assim mesmo, não existe nada que sugira formação de cidadãos conscientes. Melhor dizendo, formam direitistas (as escolas jamais vão declarar isso, embora certamente não achem de todo ruim)

  2. Eu estudei no Bom Jesus por oito anos. Sei exatamente do que se trata essa mediocridade de espírito, essa falta de empatia com o próximo, esse hábito de se julgar superior a ponto de justificar seus próprios privilégios, seja como estudantes, seja como membros de uma sociedade.

    Não há o que falar em educação. O que essas escolas oferecem é um processo de engenharia social no qual os pais desses jovens buscam um adestramento mais adequado à inserção social em meios privilegiados, como cursos concorridos de universidades públicas, sem contar pelas relações sociais que seus filhos já estabelecem com colegas provenientes de estruturas familiares já avantajadas.

    A tônica do dia-a-dia nessas escolas particulares é dada pela competição, jamais pela formação. Os estudantes são estimulados a concorrer entre si pela melhor performance em simulados de vestibular, onde ganha quem desenvolve a maior capacidade de reter conteúdo em um período relativamente curto de tempo. Jovens de 15, 16, 17 anos deixam completamente de receber uma orientação voltada para o aprimoramento humano.

    Não se pode nem dizer que se trata de formação de cidadãos. Forma-se “unidades civis” desprovidas de visão crítica, percepção social e noção de colaboracionismo, abrindo um caminho natural para que reproduzam preconceitos já bastante consolidados em seus famílias e em suas classes sociais, estas quase sempre situadas dentro dos melhores perfis socio-econômicos do país.

    Esses centros de formação de “unidades civis”, entretanto, atendem muito bem à demanda dessas famílias, afinal, se a manutenção de privilégios é uma prioridade sobre todas as outras, a oferta desse tipo de “proposta educacional” é apenas uma resposta na ponta da oferta diante de uma demanda ordinária de serviços.

    Uma demanda por parte dos pais, diga-se. Seus filhos não possuem empancipação para decidir por si mesmos a esta tenra idade. São submetidos a uma rotina estressante, desestimulante e potencialmente geradora de transtornos psiquiátricos dos mais variados tipos.

    Em suma, como podemos perceber, formar cidadãos é muito diferente de formar CPF’s. As escolas particulares são sim parte do problema por duas razões: 1) porque aceitam se inserir nesse mercado mesmo sabendo que nao oferecem educação e sim adestramento; 2) porque usam de suas afiliações com correntes religiosas, quando aplicável, como estratégia de mercado e não plataforma educacional.

    No final das contas, porém, o problema está numa sociedade doente que leva pais a acreditarem, intencionalmente ou não, que esse tipo de formação é a melhor para seus filhos.

  3. JULIO CESAR LINHARES E SILVA

    Não concordo,
    Dentro de qualquer instituição de ensino, pública ou privada, precisa haver uma certa ordem para que todos possam, inclusive, ter segurança. Alunos, professores e funcionários. As escolas deveriam barrar a entrada de alunos com bandeiras e cores de partidos políticos, não interessa qual, bem como de torcidas de futebol ou times. Isso gera confusão e não dá pra ser controlado dentro de um local de ensino. Fora da escola é outro assunto, mas dentro, precisa de respeito mútuo.

    1. Rosiane Correia de Freitas

      Oi Julio, mas essa é justamente a questão: as escolas tentaram impor regras para evitar conflitos e foram desrespeitadas. Por isso a pergunta: que espécie de educação de qualidade é essa que não consegue nem estipular regras pro espaço escolar?
      Rosiane

  4. Plínio de Andrade Neto

    Não vejo problema em manifestação de ideologia política ou religiosa em escola particular, o aluno está ali por escolha, quem não concordar que mude seu filho de escola.
    Já na escola pública é diferente, não deve haver manifestação ideologia ou religiosa, pois é pública.
    E…eta matéria partidária essa Hem!

  5. As escolas privadas viraram prestadoras de serviço a familias para as quais sobra dinheiro e falta cérebro (e alma). Famílias que elegeram Dallagnol e Moro, e teriam reelegido o facínora. Famílias que veem a educação como o tapete vermelho para a manutenção dos privilégios, estendido a suas crias com a deferência que “merecem”. Essas escolas compactuam com esse pensamento e calaram qualquer tentativa de educar seres pensantes e sencientes, com um mínimo de empatia, consciência histórica e social, ao aceitar o rótulo de “doutrinação”. E então se criam aberrações mirins que reproduzem o pensamento de pessoas como o senhor que vem aqui nos comentários chamar a jornalista de nazista (oi?) e reproduzir papagaiadas sobre as universidades federais.

  6. Excelente reflexão. Escolas que desenvolvem um projeto pedagógico coerente com o que se propõe em relação a formação humana e humanitária não podem prescindir do diálogo, debate, inclusão, o respeito e a reafirmação cotidiana dos princípios democráticos em todos os espaços educacionais, a exemplo das representações de sala, dos colegiados e salas de aula. A gestão educacional é tão importante quanto os princípios do projeto pedagógico. Família distanciada dos problemas sociais possuem visão liberal e conservadora. Não adianta o colégio ter projeto pedagógico “moderno” e fazer do espaço escolar um espaço apartado dos problemas que o país e a sociedade enfrentam. E esse é um problem como vc mesmo aponta de inúmeras escolas privadas no país, não é uma característica só das escolas em Curitiba.

  7. Excelente materia.
    Complemento dizendo que o Paraná está vendendo as escolas públicas (É isso mesmo!) para grupos de empresários (esses já citados no texto). Agora a gestão da Escola passa a ser feita por empresas, o Estado do Paraná paga para que administrem, pior é que, além de pagar muito caro, nos conduz ao relatado…

  8. Excelente visão da burguesia elitista, pseudomeritocrática, alienada e subversiva quando conveniente. Os deveres só são cumpridos quando lhes é do interesse, não sabem respeitar a vontade alheia, não aceitam derrotas, não suportam frustrações. Pobres de espírito, pobres de caráter… Lamentável.

  9. Texto conduzido por uma jornazista de esquerda, ideológica e que não reflete a opinião dos pais, deveria se colocar em seu lugar e respeitar as instituições de ensino que não são iguais as ideológicas federais, que professores andam nus, com camiseta de assassinos. Pais que se preocupam devem proteger seu filhos de viés ideológicos e posicionamentos como este dessa jornazista militante de partidos comunistas, o que por si só retrata suas convicções. O que não reflete a da maioria dos pais e sociedade de Curitiba.

    1. Rosiane Correia de Freitas

      Luiz, não conheço nenhuma universidade federal em que os professores andem nus, mas talvez você as conheça melhor que eu. Rosiane

  10. Perfeito. Mas isso ja vem de longa data. Essas escolas alimentam o poder do quem paga manda e agora estao colhendo os frutos que lhes cabem. Lamentavel.

  11. Será que a jornalista terá coragem de fazer um tecto assim das escolas, universidades, faculdades, onde só há um lado?
    A velha e tosca narrativa esquerdista de ser caolha

  12. Texto pertinente da jornalista Rosiane. Parabéns pela inteligente observação sobre uma escola que prioriza o diálogo no processo formativo.

  13. As limitações da educação perpassam por todas as camadas educacionais, inclusive na formação de novos docentes, formados pelas instituições privadas, junto com as informações difusas da internet que reforçam esse viés simplório de direita.
    Muitas vezes a tentativa de ser conservador e/ou de direita por alguns indivíduos é confundida por um negacionismo e ataque informal, desqualificado de conceitos amplos do meio acadêmico.
    Alunos perdidos e Professores mal formados

  14. Que enrascada!

    Quando as escolas se rendem ao princípio do “pago, logo posso”, o abismo se abre voraz.

    Fico a me perguntar: esses meninos e meninas têm aulas de história; estudam os processos e desdobramentos do nazismo e do facismo; viajam com suas famílias para a Europa (esbarram em monumentos históricos, eventualmente, visitam locais onde houve campos de concentração…). Onde é – e quando será – que suas inteligências vão encontrar seus corações? Quando é que conseguirão ver e perceber o Brasil, nossa história de escravidão, racismo, extermínio de povos originários. Quando serão capazes de notar a pobreza e a miséria, inclusive, a que bate às portas de Curitiba? Quando é que essa gente vai merecer o Brasil?

    Definitivamente, a estratégia de escamotear o conflito é um equívoco grave. Essas escolas, movidas pela mão invisível, no afã de não desagradar as “famílias” que se dão ao direito de gritar (porque podem), acabam por amplificar ainda mais as vozes fascistas.

    Curitiba, que é casa do Museu do Holocausto, não pode ser palco de teatro fascista. As escolas têm o dever moral e ético de promover o debate, de sustentar o diálogo, de valorizar a palavra enquanto elemento sagrado do humano.

    Um caminho possível seria as escolas promoverem encontros, palestras, espaços de diálogo. Fico imaginando como seria rico se esses colégios convidassem parlamentares eleitos (Carol Dartora, Renato Freitas, Ana Júlia…) pra conversar com os estudantes. Se as escolas promovessem encontros com trabalhadores (catadores de materiais recicláveis, por exemplo), com lideranças sindicais (petroleiros, professores), com representantes de movimentos sociais (MST, MTST), com artistas populares (hip-hop, funk), com jornalistas, com cientistas das universidades locais.

    Isso tudo pra não dizer que, no fundo, no fundo, todos ganharíamos demais se a escola pública, em todos os níveis, fosse de todos e para todos (um dia, quando você estiver preparado, uma força maior o levará até este tipo de pensamento supremo).

    Ainda que não fosse por nobreza da alma. Os ricos poderiam ter em mente que, ao (re)produzirem seus deltanzinhos, suas princesinhas e seus reizinhos, esses podem estar fadados a (re)encontrar o fim das marias antonietas e dos mussolinis.

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